CONCRETO E ABSTRATO
Prof. Antônio de Oliveira
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Há quem tenha ideia de concreto como aquilo que a gente pode ver e pegar. Por oposição, abstrato, aquilo que a gente não pode ver nem pegar. No entanto, todo substantivo comum é, por natureza, abstrato, pois designa o conjunto de seres de uma mesma espécie na sua totalidade. Observe-se, então, como “mesa” em geral, abstratamente, se distingue do concreto: “esta” mesa.
Os antigos filósofos gregos sabiam ir fundo nas coisas. Alguém teria objetado a Platão: “Posso ver uma mesa e uma xícara, mas não posso ver isso a que você se refere como mesidade e xicaridade”. Resposta do filósofo, de irônica compaixão: “Para ver uma mesa e uma xícara você precisa de olhos, e você os tem. Para ver ‘mesidade’ e ‘xicaridade’ é preciso inteligência, e você não a tem”.
Por metonímia se usa abstrato pelo concreto, além do feminino pelo masculino. Graciliano Ramos, em vez de escrever ‘aquele bom velho’, escreveu: “Difícil conduzir aquela bondade trôpega ao cárcere, onde curtiam pena os malfeitores”.
Podemos também concretizar substantivos abstratos simplesmente passando-os do singular para o plural. Amor é substantivo abstrato. Quando digo “meus amores” refiro-me a pessoas concretas. E esse tipo de transposição é comum, mesmo porque, na prática, o amor é sentido se manifestado efetiva, concretamente.
Emocionalmente, o abstrato pode ser mais concreto que o próprio concreto. Marisa Monte canta em Gentileza: “Apagaram tudo / Pintaram tudo de cinza / Só ficou no muro / tristeza e tinta fresca”. Eis aí uma feliz combinação de visível e invisível, com prevalência do invisível. Tinta fresca a gente pode ver e pegar, e se pegar, suja e gruda. E tristeza? Apenas indiretamente, pelas manifestações que alguém transmita. A concordância verbal também foi feita por atração: “ficou”, no singular, dando a entender que, mais que tinta, substantivo concreto, a tristeza gruda. E como gruda! E pensar que tristeza é um substantivo abstrato...