OS AMORES DA GENTE

Um dia eu te abandonei do alto de minha juventude louca. Eu buscava coisas maiores, que não estavam em você. Você era humilde demais, simples demais, cotidiana demais, muito óbvia, sem mistérios e confesso não mais me despertava paixões. Eu queria muito mais. Eu queria simplesmente tudo, tudo que achava que você não tinha. Eu estava tão cheio de sonhos! Tão senhor de mim, com tanta confiança! Nada poderia me conter, era um rio querendo correr e me sentia represado em você. Meus sonhos eram maiores e já não cabiam em você.

Eu te deixei numa tarde de calor aonde os raios do sol ainda banhavam de ouro os olhos dos transeuntes com seus raios amarelados e febris. Na empoeirada Rodrigues Alves, daquele longínquo 1969, o ônibus com destino a Bauru, de repente encostou no meio fio e no seu primeiro degrau dei o primeiro passo que mudaria minha vida, o primeiro passo que me distanciaria de você para sempre.

Enquanto os motores roncavam, eu te olhei pela última vez pela janela. Esta pequena foto registrada na mente foi a última que me ficou de ti, a mais pungente, a qual vez por outra sempre volta na tela da memória quando alguma nuvem de saudade, passa no céu da existência.

Esta é a última lembrança que guardo, mas não a única, talvez a mais dolorida. Lembro-me que eu não chorei, nem você. Foi assim, um adeus sem mágoas, sem dores, uma coisa inexorável, que nós já sabíamos que mais cedo ou mais tarde aconteceria.

De Bauru naquele mesmo dia, embarquei num ônibus ainda maior para São Paulo, meu destino final. Chegamos de madrugada , chovia, as ruas desertas daquela cidade que parecia interminável, confesso, me trouxe um sentimento de medo, excitação e liberdade.

O tempo passou. Os desafios vieram e foram tantos! Muitas vezes, pensei em voltar para o teu seio, para a vida que deixara para traz. Mas não dei o braço a torcer. Com fé de imigrante, tive gana, tive garra e tenacidade para vencer os obstáculos. Aos poucos fui descobrindo como jogar o jogo da cidade grande.

A vida seguiu. Um dia venci, me apaixonei, casei, tive filhos, busquei a felicidade e cada vez mais longe ti.

A saudade eu fui temperando, fui aprendendo a te esquecer mas você sempre foi algo presente. Mais do que uma fotografia amarela, escondida na gaveta, podia me dar.

De vez em quando eu te via mas era sempre a mesma percepção de distanciamento, de frieza e de culpa.

Muito tempo passou, os primeiros cabelos brancos apareceram no front, as angústias da maturidade se fizeram presente, o desencanto da vida enlaçou meus olhos, a saudade da infância e dos amores antigos e até dos imaginários moveu os moinhos das lágrimas, muitas vezes chorei, muitas vezes por ti. Até poesias escrevi, nos vãos do desalento e da estrada que já não posso palmilhar, porque não existe mais.

Hoje ungido por um estranho sentimento de vazio, eu peguei meu carro e adentrei nas estradas, numa viagem sentimental de volta. Aquelas estradas eram como veias do meu corpo e eu andava dentro de mim, numa viagem de retorno no tempo.

Quando ia chegando perto, desci do carro e sentei no alto de uma pequena colina para rever os vales verdes que era o Èden da minha infância e da minha juventude. Meus olhos acompanharam o trajeto sinuoso do Ribeirão Claro, com suas águas cor de mel, que de longe parecem paralisadas. Quantos peixes, os banhos, os primeiros mergulhos tão desajeitados, tudo vinha agora à minha mente repleta de nostalgia. Vi de longe o cemitério onde os restos de tantas pessoas queridas se encontram, incluindo meu pai.

Hoje maduro, do alto de tantos anos de vida, ainda não consigo administrar estes sentimentos e deixo-me abater por eles, como um adolescente. Veio-me a mente, o que teria acontecido se tivesse ficado naquele lugar, lembranças doces e amargas se misturavam dentro de mim. Teria casado com a minha primeira namorada? Que força tinha aquele amor!

O sol que banhava a cidade e era o mesmo sol da minha partida. Ele não mudara. Fiquei com alguma inveja e me projetei nele por um instante. Queria ser seus raios dourados a tocar em todos e claro em sua pele em todas as suas formas e latitudes.

Eu não consegui me aproximar mais do que daquele ponto. Entrei então, no carro para dirigir de volta. Antes de ligá-lo, apoiado no volante senti vontade de gritar estrondosamente que te amava, que sempre senti tua falta e que deveria ficar registrado no cosmo, no dorso das montanhas, nas fagulhas do sol, na brancura das nuvens, na lâmina das águas, no brilho dos raios e no canto triste das juritis, que hoje no dia de hoje 2/12/2011 eu vim de longe só para te ver e que se não posso ficar, a levarei comigo no meio do meu coração para sempre.

E que saibam todos que eu te olhei com doçura, como um amante olha sua amada e ardeu dentro de mim uma grande ternura. Saibam que ao contemplá-la por horas a fio, me valeram por uma vida e o fiz com os meus olhos miudinhos e uma imensa vontade de chorar.

Saibam todos também que agora a distância não importa mais, não nos separa mais e não diminui os meus sentimentos, ao contrário, os tornam agora mais claros, mais fortes e ainda mais sinceros.

Porque eu descobri que basta amar para que o amor exista e inegavelmente eu te amo e irei te amar, até que a morte nos separe. Um beijo minha pequena e humilde Iacanga!

Celio Govedice
Enviado por Celio Govedice em 05/12/2011
Reeditado em 07/12/2011
Código do texto: T3372865
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