Os pais, o filho e o Asilo

  E numa tarde inesperada, ei-lo como um dos aprovados para a segunda fase do vestibular da Unicamp. Dentre cerca de cinqüenta mil pessoas, lá estava o seu nome entre os 30% dos aprovados. É uma vitória que solapa a virtude da humildade. Como não se orgulhar, não se entusiasmar? Em doze meses, o menino saiu de casa, aprendeu o gosto dos “pratos feitos” da vida; descobriu talvez (que isso não é coisa que se pergunte) o amor, novos amigos, novas realidades e experiências e até, quem sabe, certa saudade de casa. Do seu computador, de seu radio, seus CDs, seus livros e tudo mais que formataram o seu mundo até doze meses atrás. Quiçá, saudade do pai e da mãe. Mas agora tudo isto lhe era muito pouco, muito pequeno, muito distante.
  A noticia chegou-lhe através de uma amiga, após uma outra prova em um outro vestibular. E para ser verdadeira, teve de ser confirmada na “Lan House” mais próxima. Sim senhor! Ali, na tela estava o seu nome. Não havia mais como duvidar. E foi com primos, tias e amigos que aconteceu a primeira festa, que tomou ares parecidos com o que se costuma chamar de família. Daquelas muito tradicionais e que já estão fora de moda. Mais uma comemoração com alguns amigos, sabe Deus onde, e a adrenalina começou a criar juízo e ficar em seu devido lugar. Pero no mucho.
  E foi com este pouco, mas que ainda lhe embutia o raciocino, que ligou para o pai. Após os cumprimentos habituais, ele comentou a grande distância do local das provas da segunda fase e pediu-lhe que o levasse. Pedido apenas e tão somente formal. Era-lhe claro que ele o levaria, sim. E também pediu por ser um cavalheiro nato, um gentleman que, como tal, deveria cumprir os protocolos de sua natureza. Todavia, parecia-lhe certo que o pedido fosse pronta e espontaneamente atendido. Porém, sempre existe algum porém.
  E foi então que ele respondeu com um sonoro: Não! Não posso, pois estarei trabalhando . . . sou muito ocupado . . . e não tenho tempo nenhum. Uma grossa bobagem, pois tempo haveria sim, como já houve em tantas outras ocasiões. Tempo para ir em festas ou bailes, lá longe, no noroeste do Estado. Tempo para ir à praia. Tempo para falar por horas em telefonemas interurbanos. Bastaria um arranjo aqui, um acerto ali, uma composição acolá.
  E no entanto, para o filho, tempo não havia. Talvez por esquecimento, por desdém, para manter as aparências (afinal, sou um homem moderno, ocupado e estressado) ou por qualquer outro modismo, a recusa foi categórica. Parece ter feito questão de esquecer que esse seria o “momento dele”. Para o qual, tanto estudou, tanto lutou e tanto teve de aprender a mudar. A hora em que mais precisaria de apoio e de saber que este apoio seria capaz de suplantar qualquer “trabalho” que fosse. De ter a retaguarda necessária. De saber-se mais importante que o dinheiro. Mas, ele sentiu que não era.
  Dias depois, em tarde de muita chuva, a recusa veio à baila. Num primeiro momento pensei em lhe dizer o óbvio: calma filho, seja tolerante, a vida é assim mesmo e coisa e tal. Porém, de súbito, questionei-me: eu própria, por toda vida, disse: sim, pois não, darei um jeito; cuidado, não melindre o outro e tantas outras besteiras do gênero. E tanto abaixei a cabeça, que hoje tenho dificuldade de levantá-la. E para que?
Num segundo momento, nada lhe falei. Limitei-me a ver como os caminhos se distanciarão. Ele, seguirá o seu. Ele e tantos outros pais e mães similares, seguirão os seus. Provavelmente, o que termina nos asilos da vida . . .

Por que você não vem visitar-me mais vezes, filho?

Não posso, não tenho tempo. Estou trabalhando . . .