Doutor Sá Fortes

Escrevo hoje sobre o doutor Sá Fortes. Já faz tempo que não o vemos mais, descendo tranquilo o Calçadão, após o trabalho vespertino... Descia, depois subia, era o ritual das tardes dele, quando se encontrava com o Paulo, engenheiro, com o ex-reitor Paiva, com o Evaldo, também engenheiro, com o professor Sebastião Maurício, com o pintor Ronaldo Couri, com o doutor Regino, com o psicólogo Nobeli, com o pintor Dnar Rocha, com o médico Valter Terrana, com o biólogo José Augusto, com o professor Antônio, com o advogado Gripi... Já faz tempo não o vemos caminhando sem pressa, falando amenidades, discutindo a política, contando histórias da ditadura, que ele contava e as recontava sempre, talvez com o instintivo cuidado de repeti-las com um ingrediente novo, o que nos cativava a todos . Até dizíamos depois que o doutor Sá Fortes, para nós ele era o Zé, tinha o encanto de nos prender com os mesmos casos, bem repetidos, trabalhados... Tudo isso ele fazia caminhando, gesticulando e sorrindo muito. Nas mesas de bar, ele também exercitava sua retórica singular, sem requintes, sem afetação. E vinham os velhos causos, e vinha a literatura, e vinha a política, e vinha a medicina, sobre a qual ele falava com simplicidade e a experiência de quem leu muito. E se lhe perguntávamos sobre doença, ele não assumia aquele ar doutoral que tanto distancia os leigos dos especialistas. Começava invariavelmente com “eles dizem” (eles eram os autores) e lá vinham sempre informações preciosas. Era a nossa referência médica. Já faz tempo não o ouvimos repetir e analisar enredos machadianos. Alguns livros de Machado eram os seus preferidos. Certa feita, ele analisou para algumas moças, que o acompanhavam à mesa de um bar, a loucura de Rubião, o que lhe valeu uma repreensão do Sebastião Maurício, segundo o qual aquele assunto era muito complexo para aquela ocasião. Mas para o Zé Carlos, o bar podia ajudar na cultura das meninas... Já faz tempo não o vemos usando aquelas bombinhas que o salvavam das crises de asma, que lhe tornavam os invernos pesados. Mesmo assim, jovem que era, ele costumava comparecer e reclamava quando algum do grupo mais restrito não aparecia. Já faz tempo... Já faz tempo não ligamos para ele e ouvimos a dona Maria – orgulhosa do filho – passar-lhe o telefone para os bons papos ou mesmo para uma consulta médica rápida. Já faz tempo... Já faz tempo não o vemos à noite, caminhando pela Rio Branco, com a valise de médico, retornando a casa depois de assistir, sem preocupação com honorários, a mãe de um amigo, o pai de uma amiga...Já faz tempo não o vemos rindo de nós, nos imitando e exagerando ao historiar as enrascadas em que nos metíamos... Certa feita, pensamos em homenageá-lo. Sá Fortes seria nome de rua, na cidade onde ele se formou e viveu grande parte de sua vida, a nossa Juiz de Fora... Por certo sua vida mereceria a subscrição de muitos... Mas o doutor Sá Fortes, desprendido das grandes riquezas, desprendido de todas as honras, talvez não se magoasse, mas certamente não ficaria feliz. Procurem em Juiz de Fora pela rua Doutor José Carlos Sá Fortes. Não vão encontrá-la... Procurem com o engenheiro Sílvio, com o bancário Mílton Matos, com o doutor José Custódio, com o professor Maury Lacorte, com o engenheiro Henrique David, com o médico Sady Ribeiro, procurem... procurem com alguns daqueles, de quem lhes falei, onde é essa rua. Eles certamente vão lhes dizer que por essa rua, que não existe, caminha-se para uma bela e inesquecível história de vida...