O coice da burra

No meio popular há várias formas de malandragens e espertezas. Muitas delas são por sobrevivência mesmo. Uma espécie de instinto, onde o oprimido se debatendo pela vida, tenta escapar da ganância dos poderosos utilizando sua inteligência astuta, outras por mau caratismo de família ou ruindade pura e voluntária.

Nos mercados, feiras e escambos estão lá toda sorte de larápios, estelionatários e golpistas dispostos a levar vantagem em tudo e sobre todos. Mas o que seriam dos sabidos se não fossem os tolos? Tem que haver esta simbiose perfeita para a continuação destes acontecimentos.

Há o registro de várias estórias de maracutaias interessantes, por este mundo velho sem porteira. Como aquele instigante jogo da bolinha nos festejos santos. Nunca jogue isto! Aquela bolinha só obedece a mão do sujeito operador. É dinheiro perdido. Você pensa que a bola entrou debaixo daquele copinho. Tem certeza disto. É incentivado por uns sujeitos que acomunados com o larápio ficam lhe incentivando. Até simulando algumas vitórias. Você aposta certo de que vai ganhar e perde feio.

Há os que se especializam em roubar velhinhos, velhinhas e analfabetos digitais nas filas dos bancos, na acrobacia de cartões cadentes e senhas surrupiadas. São muitos gentis. Bem alinhados, devem ser até cheirosos. Roubam-lhe tudo e ainda compra fiado em nome do besta de plantão que fica com as parcelas e sem saber o que dizer em casa.

Uma falcatrua digna de nota é o coice da burra. Que nada mais é do que um sujeito, geralmente bem vestido, vir com uma cédula de alto valor, um pouco de pressa, solicitando educadamente para que seja trocada em notas menores. Só que o sujeito com um pouco de hipnotismo misturado, imediatamente, após receber as cédulas menores, já insere um novo pedido para que seja trocada outras cédulas menores, e não entrega o dinheiro que começou a conversa. Ele agradece seriamente e como ninja foge pelo mundo afora. Nunca mais o proprietário revê a sua quantia e às vezes ficam até envergonhado de divulgar o acontecido.

Comigo já aconteceu do contrário, eu fui enganado por um vendedor de bebidas que me deu uma facada destas quando fui comprar uma birita a ele. Foi na Praça Central da maravilhosa Ilha de Itamaracá, onde estava de férias. Dei-lhe uma nota de cinquenta reais para comprar um retetel e ele me deu o troco de vinte. Tentei desfazer o engano. Pedi, repeti, insisti, implorei, mas, ele irredutível estava e assim ficou com o meu rico dinheirinho.

O que fiz, então? Nada. Fiquei com dúvida e com vergonha e achei até que a culpa foi minha. Como quase toda vítima se sente responsável pelo crime que lhe é cometido.

Neste país, às vezes, roubar e ser roubado são maneiras de preservar a cultura vivaldina de nossos ancestrais. Uma questão de tradição. E nestes tempos de internet, redes sociais e pirâmides promissoras tem muita gente por aí de olho no que não é seu. A todos nós cabe apenas a irrestrita desconfiança.