Imóveis e automóveis

Ando cansado das caras de espanto com as quais me deparo quando respondo à (recorrente) pergunta: “Quando vai comprar seu carro?”, ou “Já mora em casa própria? Não?!”. Sim, pois minhas respostas a tais questões, e similares, são: Nunca, não!!

Porque todos se espantam quando digo que não quero ter carro, não entendo de carro, não sei diferenciar marcas e modelos de veículos? Para mim são todos iguais: têm rodas (ou pneus), motores, volantes, latarias, etc., etc. e tal. De fato, sinto-me deslocado quando meus colegas de trabalho falam de carros de um modo quase lúbrico, beirando o erótico. Fico de fora, afasto-me um pouco, mas de vez em quando um me pergunta: “E você, Marcio, cadê seu carro?” De novo respondo que não tenho e nem quero ter, de novo as caras de espanto, alguns falam que eu sofro de fobia de trânsito, que preciso perder o medo de dirigir, que só se perde tal medo dirigindo, que existem especialistas que tratam tais fóbicos, que isso, que aquilo... Simplesmente não acreditam que eu apenas não gosto de carros e nem sinto desejo de dirigir.

Às vezes sinto-me como um herege, um alienígena ou um alienado, um doente mental que precisa de tratamento urgente. Sim, sinto-me uma ameaça à sociedade, apenas porque não me interesso por automóveis. Tal sensação aumenta quando externo meu desinteresse em adquirir um imóvel próprio. Aí, meus caros, não são só caras de espanto que enfrento, mas também verdadeiras manifestações de indignação, revolta, ira, quase um apedrejamento moral, que sofro: “O quê? Não vai comprar um apartamento para você? E sua família? E seu filho?” Ou ainda: “Mas todo mundo quer ter sua casa, Marcio, seu cantinho. É o sonho de tudo brasileiro, caralho!”.

Pois, amigos, pode ser o sonho de consumo da classe média brasileira, ou ainda de todos brasileiros miseráveis que moram nas ruas, favelas, becos, pagam alugueis exorbitantes. Dizemos: “Porra, pegar um financiamento de um apartamento em 30 anos, se possível com a ajuda do Governo Federal, é tudo que queremos. É melhor que pagar aluguel, porque um dia vai ser nosso.” Enfim, desculpem-me pelo ultraje, mas este não é meu sonho.

Não vou falar de meus sonhos. Esta crônica não é sobre sonhos, embora tenha alguns, é claro. Mas o que quero dizer é que penso que somos transitórios, ou melhor, somos seres em permanente transição, e como tais, parece-me de fato que o emprego do verbo “estar” seja bem mais apropriado ao uso do verbo “ser”. Ao conjugarmos o verbo “ser” na primeira pessoa do singular, buscamos um estado de permanência que foge ao caráter etéreo e transacional e que, portanto, nunca se efetiva, que é nossa condição de ser (ou estar) no mundo. Sei que todos precisam de valores e de idiossincrasias que nos constituem como seres únicos, individuais, mas pertencentes a uma sociedade com regras e leis que nos ligam uns aos outros,e que nos forjam como cidadãos. Mas, puta que o pariu, essa condição de transitoriedade, de constante transformação, de passagem, ou de passageiros, nos lança para mobilidade, para horizontes maiores que as avenidas que nos levam e trazem da casa para o trabalho diariamente.

Eu quero mais, ou menos. Desejo ler mais, viajar mais, conhecer mais pessoas e culturas diferentes, assistir mais filmes, trepar mais, rir mais, ser mais, estar mais (ou simplesmente não ser e nem estar).

Sou móvel, porque me mexo, estou vivo, em transitoriedade. Não desejo ter imóveis, porque independente de querê-los ou não, logo alcançarei a condição de imobilidade, quando de meu último suspiro. E quanto aos automóveis? Prefiro andar com minhas próprias pernas.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 03/01/2012
Código do texto: T3419721
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