Chove também no Rio Bonito?

Um passeio de bicicleta ao entardecer. Só um passeio descompromissado. Tênis confortável. Camiseta solta. Fones de ouvido. Pneus cheios. Vamos lá? Primeiro a vizinhança. Um aceno aqui. Outro acolá. Um olho no céu, outro na estrada. Parece que vai... Chuva! Mansa. Gelada. Vento penetrando pelas narinas. Até agora ardia o sol do meio-dia. Tudo bem, uns pingos não matam ninguém. Mas a chuva grossa molha. Aproveito o toldo da feirinha. Muita gente ali gastando. Melhor, pechinchando. Tudo bem, as frutas andam caras mesmo. Ih, parou! Melhor prosseguir. O céu preto ainda encobre o sol. Lá longe, surge um feixe de luz. Será que chove também no bairro Rio Bonito? É pra lá que rumo. Pedalando vorazmente. Umas lombadas alargam o caminho. Outras crateras no asfalto tornam a jornada uma aventura. Grandes poças d’água molham a meia. E o tênis recém tirado do varal. A vida é assim mesmo. Não se alcança a glória final sem um tênis molhado durante o percurso. Chego, enfim, à Avenida Vicente Machado. Ali há calmaria. Da metade em diante nada de asfalto molhado. Não chovia no Rio Bonito! Então o passeio torna-se mais sereno. Como a brisa que balança os cabelos. Um city-tour empolgante pelos bares e bodegas. Muitos pais de família curtindo sua happy-hour. – Me vê uma daquelas! Escuto um deles dizer ao passar. Pedalo mais um pouco e fico imaginando a pobre esposa esperando aquele trabalhador em casa. O que será que ele lhe conta depois de ‘uma daquelas?’. Ou quem sabe a esposa já tenha desistido de lhe esperar. Antes assim. Algumas lombadas adiante, avisto o parque. Jovens jogando bola. Idosos caminhando pela pista demarcada. O que pensam todos eles? Quão cara anda a gasolina? O carnê do IPTU de 2012 que ainda não chegou? A conta de luz atrasada? Os netos que não vieram visitá-los no Natal? Não. Não deve ser nada disso. Muito menos a última opção. Afinal, o semblante de seus rostos não poderia ocultar a dor que a ausência é capaz de gerar. Acho que pensam o quanto é bom desfrutar dos benefícios da aposentaria! E logo a chuva do centro me alcança. Teimosa! Mas eu havia aprendido muito com aquele Rio Bonito. Tanta gente simples se espreguiçando nas varandas. Aquele cheiro de grama bem aparada. O som do cântico entoado na Igreja. E eu que pensara em voltar pra casa com o início da chuva! Que desperdício poderia ter sido! Ninguém morre com uns pingos. Imagina se recuássemos a cada imprevisto que nos molha por medo que nos encharque? Nada seria concretizado. Mas nesta prosa não há lição alguma a se aprender. Que mania essa que todos têm de tirar um ensinamento de tudo! Bom mesmo é um passeio desinteressado, a matéria-prima de um texto despreocupado.

Andrea Bulka Sahaiko.

Andrea Sá
Enviado por Andrea Sá em 04/01/2012
Código do texto: T3422797