MERAS DIVAGAÇÕES
 




Apesar dos sessenta anos, conservo o meu fascínio todo especial pelos adolescentes e guardo comigo em bem cuidado abrigo, um orgulho enorme de ainda merecer o carinho e a amizade daqueles que fazem parte do meu círculo de relacionamento. Dos meus relacionamentos nas redes sociais ( cerca de 600 pessoas ), as crianças e adolescentes respondem por 70% delas. Já houve mãe que proibiu suas filhas de se relacionarem comigo em tais redes por eu dizer muito “ eu te amo”. Para esta mãe isso pode ser um sintoma de pedofilia. Muitas pessoas me aconselharam a levá-la em juízo para se retratar. Não o fiz nem vou fazê-lo. Eu já tenho muita pena dela por ter aprendido tão pouco sobre o amor e não iria impor-lhe mais este constrangimento. Mas, voltando aos adolescentes, o que mais neles me fascina é a intensidade com que vivem as suas emoções, os seus sentimentos. A parte que eu mais gosto em mim mesmo é ter esta facilidade de conquistar, pelo simples exercício da atenção, do respeito e da amizade a confiança que os adolescentes, principalmente as jovens, demonstram ter em mim. Estou sempre recebendo em minha casa, jovens com idade entre 12 e 20 anos. As angústias são quase sempre as mesmas. Letícia, 12 anos, está com muito medo de morrer. Não sabe porque, não tem motivos, mas o medo vem de repente, principalmente à noite. E conforme combinamos, não importa a hora em que o medo chegue, ela me liga já chorando. Isso aconteceu algumas vezes, às duas, três, quatro horas da madrugada. A gente conversava uns quinze minutos e ela dizia já estar bem. Agradecia e dormia como uma adolescente até que a mãe a acordava para ir à escola. Hoje ela controla bem os seus medos. Dificilmente me liga por esse motivo, mas me abraça forte e diz que me ama cada vez que nos encontramos. E todo esse carinho, que nada no mundo pode pagar, eu consegui basicamente por ouvi-la e fazê-la crer que ela é uma filha muito especial do Pai e que nada poderia lhe acontecer se ela se entregasse nas mãos d’Ele. Mariana, 11 anos, tem problemas afetivos. Vem à minha casa para que lhe ajude em seus relacionamentos. As colegas das quais ela mais gosta na escola não gostam dela. Ela procura enturmar, mas é sempre rejeitada. Ela está gostando de um colega, mas ele só sai com aquelas que não gostam dela. Pergunta-me, já entre lágrimas, se ela é feia ou se seu “papo” é ruim. Autoriza-me a ser franco. Puxei-a pela mão até um lago no fundo do quintal. Sentamo-nos num banquinho, recostei sua cabecinha em meu ombro e disse pra ela:
_ Mariana, Mariana... Você é uma menina doce, educada, sensível, sabe conversar com desenvoltura... Nunca vai se dar bem com pessoas azedas e sem graça. Nunca procure fazer amizade com as pessoas que você mais gosta ou admira. Procure dar mais atenção e carinho às pessoas que gostam muito de você. Elas é que vão fazer a diferença em sua vida. Elas parecem não ter muita importância porque você já as conquistou, mas se você pensar um pouco vai perceber que foi ao lado delas que você viveu seus melhores momentos e não ao lado das outras. Volte seu cuidado para as colegas que gostam de você. Mande um bilhete dizendo que são importantes, que você as ama. E à medida que você for descobrindo o quanto elas são importantes e intensificar a afetividade entre vocês será bem possível que as outras queiram fazer parte do seu grupo. Claro que se isso acontecer você deverá aceitar, principalmente para que elas aprendam que nunca se deve desdenhar da amizade de ninguém. Quanto ao rapaz de quem você diz gostar, fala isso pra ele. Se ele não quiser ficar com você hoje, não vai querer amanhã e nem depois de amanhã. Daí, melhor saber agora porque isso te dá a possibilidade de fazer outra escolha. Mariana não tem pai. Ainda voltou umas três vezes para falar sobre suas “aflições”. Da última vez que veio me agradeceu pela amizade, por ouvi-la e disse-me que se pudesse escolher um pai para ela, sem dúvida seria eu. Para dizer a verdade, não há necessidade de se resolver os problemas de nenhum adolescente. O tempo os resolverá. O que é preciso é dar-lhes atenção e respeitar a sua insegurança. Às vezes as pessoas me perguntam: _ Qual o segredo para se dar tão bem com os adolescentes? Não há segredo. Se você respeitar um adolescente como adulto ele responderá como adulto. Se tratá-lo como adolescente ele responderá como adolescente, só isso. Lembro-me de uma apresentação musical que fui fazer numa escola estadual que tinha 400 alunos adolescentes. Quando chegamos, eu e meu parceiro, a Diretora propôs dividir a turma e a gente  faria uma apresentação para cada 200 alunos. O motivo? Eles eram muito inquietos e ela temia pelo comportamento deles. Eu disse pra ela. Pode mandar os 400 de uma só vez. Não vamos ter problemas. Ainda meio temerosa ela mandou os 400 alunos para a quadra. Ao me apresentar falei para eles que não os via como  crianças, mas como jovens em formação, falei do carinho e do respeito com que fomos recebidos em outras escolas e da minha certeza de que com eles não seria diferente. Tínhamos levado as letras de nossas músicas mas fiz questão de dizer que ninguém era obrigado a gostar de música. Pegar o folheto e cantar com a gente, era facultativo. A única coisa que queríamos de quem não quisesse participar era respeitar o direito do outro de fazê-lo. Alguns não quiseram mesmo o folheto, mas o comportamento dos alunos foi exemplar e deixou a diretora boquiaberta.
Ela perguntou-me qual era a minha formação acadêmica. Eu respondi que não a tinha. Tenho apenas o segundo grau. A convivência com os adolescentes nos faz aprender que eles têm paixão e energia de sobra. Falta-lhes, na maioria das vezes, pessoas que lhes dêem atenção, respeito e amor para que consigam direcionar esta energia e paixão que trazem em si. Eu só entendo o amor como algo que você recebe de alguém e usa para desenvolver a sua capacidade de repassar este amor. Cada um de nós é um instrumento de transferência de valores, positivos ou negativos, de acordo com a nossa formação, fundamentada no convívio com a família, com os amigos e, em alguns casos, na procura individual, movida por um impulso ocasional em algum momento da vida. Na minha idade penso que sobra amor, falta paixão. Acostumamo-nos com a mediocridade do ócio, identificamos as atividades humanas por faixa etária. Isso é de criança, aquilo é de jovem e isto é de idoso. Precisamos perder o medo do ridículo, readmitir a paixão em nossa vida e aprender que definir o que é ser criança, adolescente, jovem ou adulto é trabalho que interessa á psicologia. A nós, cumpre viver estas etapas, como, quando e onde bem quisermos. Quem se sentir ridículo agindo assim, que procure a psicóloga. Está precisando de ajuda.