Sobre monstros noturnos

Acendeu a luz com o intuito de ver melhor as páginas do livro. Acabou chamando a atenção dos monstros que viviam à noite na rua. Muitos grilos. Muitos pernilongos barulhentos. Muito silêncio. Chegava a ser desconcertante toda aquela quietude de gente. Só monstros balbuciando. E escuridão. Os passeios vespertinos eram bem mais seguros que isso. Mas ela partiu mesmo assim. Ultrapassou o gramado molhado. E os portões do juízo também. Tudo tão quieto! E tão escuro! Os postes não iluminam muito bem seu caminho. Tropeça numa rã. Chuta uma pedra. E o único barulho que ouve são as vozes do seu eu. Mas os monstros percebem que ela anda só. Sorrateiramente vão acompanhando. Esgueiram-se por entre muros altos. Escondem-se entre arbustos. E nenhuma luz se acende nas casinhas que vão surgindo pelo percurso. Ninguém é a fatal testemunha daquele passeio insano. Só os monstros, que por toda lei tentam alcançá-la. Mas finge não os ver. Anda tão rápido que quase corre. Ultrapassa obstáculos. Cercas de madeira. Formigueiros camuflados sob a terra. Enfim chega à calçada. Os pés já imundos de barro. O cansaço se aproxima. Quanto se distanciou do aconchego de sua morada? Uns cinco quarteirões? Pareceu bem mais. Tropeça no meio-fio. Não há forças para ajudá-la a levantar. Nem ninguém. E um monstro veloz se aproxima. Com cuidado. Não quer perder a presa. A toma repentinamente pelo braço. Ela resiste. Tenta gritar. Em vão. A voz lhe foi surrupiada. Já não sabe mais usar as últimas forças que lhe restam. O corpo foi neutralizado. Fortemente abatido pela inércia. E então a criatura desprezível a arrasta de volta, por todos aqueles três quarteirões. A põe na cama ainda imóvel. Vai embora, sorrindo. Seu papel estava feito. A vítima acorda 10 horas depois. O corpo neutralizado. Consegue apenas abrir os olhos, com esforço. “Eu dormi mesmo tudo isso?” A culpa toma-lhe o espírito. Caminhou míseros três quarteirões, que pareceram cinco, e foi abatida pelo monstro do medo. Aquele ser desprezível que ataca sem escrúpulos, te faz recuar, pra depois neutralizar seu corpo em horas de sono infrutífero. É... Quem sabe na próxima caminhada ela tenha mais sorte.

Andrea Sá
Enviado por Andrea Sá em 06/01/2012
Código do texto: T3425814