O PADRE E A PACA

Havia lá pelas bandas de Irati, no Paraná, sul do país, um padre muito popular e querido pelo seu rebanho, mas prisioneiro de uma paixão avassaladora, a caça de animais silvestres, cuja prática lhe escravizava o tempo livre em detrimento do pastoreio das suas ovelhas paroquianas.

Na sua casa, numa grande chácara nas imediações do povoado, o vigário possuía alguns cães treinados na caça de codornas, perdizes, pacas, cotias, tatus e pequenos animais da mata que circundava a região, um galpão com sua tralha apropriada e, na casa, trancado a sete chaves, um arsenal de armas, entre elas algumas espingardas e uma cartucheira de dois canos, da sua predileção.

Mal surgia uma oportunidade e o pároco se embrenhava na mata, seguido pela cachorrada, portando suas armas e apetrechos, embornal, perneiras, gibão, cantil, chapéu de sol e a matula para enganar a fome no mato. Saía bem cedinho e voltava ao cair da noite, via de regra com os animais abatidos pendurados em fivelas adaptadas à cintura:- perdizes, codornas, coelhos do mato e, com sorte, uma paca gorda!

A caçada desses bichos era vital para o padre, o qual chegava a sonhar com as expedições quando demorava muito tempo a entregar-se a esse prazer. E tais sonhos às vezes se tornavam pesadelos, se a prática dessas caçadas demorasse muito, o que tirava o padre do sério, ele se tornava nervoso, irritadiço e de maus bofes para com seus paroquianos.

Num sábado bonito, a igreja repleta dos seus discípulos, o padre celebrava o casamento da Joaninha Pantaleão e do Maneco Oliveira, ambos os filhos de abastados fazendeiros da região. O vigário passava por uma fase de abstinência das caçadas, o que lhe deixara, como eu já disse, irritadiço e sonhador, os olhos arregalados fixando ao longe e uma agitação que lhe escapava ao controle.

No momento da clássica pergunta à noiva, sobre o “sim” ao pedido do noivo, o padre já imaginava as cenas duma caçada daquelas, quase alheio ao casório quando um tirambaço ecoou na mata próxima. O vigário, então, antes que a noiva desse o “sim” à sua pergunta, rindo descaradamente e com os olhos brilhando, desvairado, gritou, para espanto dos nubentes e de todos os presentes à cerimônia:-

“- Rá, rááá ! ... Cagou-se, paquinha! ...”

-o-o-o-o-o-

B.Hte., 08/01/12

Dedicado ao colega e amigo poeta, Iratiense Joel, emérito contador de “causos” e brilhante colega do nosso “RDL”, com o meu agradecimento pelo mote desta crônica.

RobertoRego
Enviado por RobertoRego em 08/01/2012
Reeditado em 01/02/2013
Código do texto: T3429353
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