Notícias dos últimos dias da Dona Zulma

A viagem fora por muito tempo adiada, desde que chegou de Timóteo, tinha que ir à Goiânia visitar a parentada, mas sempre havia uma desculpa: tenho que fazer tais exames, ou isso ou aquilo.

Até que um dia dá certo e quando fico sabendo, ela já estava lá. Minha mãe também foi passar o fim de semana e acabaram encontrando-se na tia Dadá. Acredito que a tarde que passaram juntas fora de memórias e muitos risos. A tia Zica também estava e a minha mãe contava rindo que ela recomendava à minha avó fazer pão-de-queijo sempre, porque os netos e as visitas gostam mesmo é de pão-de-queijo.

Um dia a minha avó ligou e começou com os avisos: tenho que ir na sua casa, na tia Celuta... Tá vó, dizia eu impaciente, vamos marcar para o sábado que dará mais tempo. As memórias ainda estão frescas: chamei-a para almoçar, enquanto preparávamos o peixe ela ia olhando alguns objetos da casa e mostrava para a Aninha. Olhava as lamparinas, o moedor de café, os retratos antigos. Enquanto almoçávamos recomendava: tenham um filho, no máximo dois, porque as coisas hoje estão difíceis e se não fossem os filhos, o que seria de mim hoje; toda vez que for dirigir faça o nome do pai...

E assim fomos para a tia Celuta. Mesmo sem saber de quem falavam, todos riam e “riam de rachar o bico”. E falavam tantos nomes, pediam notícias “de que é feito fulano de tal”? e ora e outra falava-se em morte, a tia Celuta dizia: “não chego aos 86 não”. Percebi que a minha avó sempre chamava a atenção para outro assunto. E não sei quem, dizia “nós estamos na fila da morte, vai seguindo um a um”.

Minha avó contava orgulhosa que o Thiago foi buscá-las aonde estavam (era o aniversário de 90 anos do Joaquim Vicente) e foram a não sabia se era churrascaria ou pizzaria. Vira a Maisa com o namorado e o filho e a tão querida Kátia.

Lembrando das coisas que aconteceram, vejo o quanto ela gostava e pedia para ser cuidada, amparada. Ela era uma presença inquietante, pois sempre nos cobrava mais paciência, mais amor. Olhava ela andando vagarosamente e pensava: que bom, sempre tão sadia, os passos são bem mais lentos, mas continuam firmes.

Fico pensando no último abraço... ela desejando feliz natal: muito obrigada a vocês por tudo. O abraço dela era sempre forte e acolhedor. Se eu soubesse... teria ficado um pouco mais naquele abraço, teria olhado mais nos olhos cansados, teria, teria... teria falado mais ternamente.

Mas a gente costuma achar que vai ter mais tempo; que pode ser impaciente agora para ser mais paciente depois, que pode amar menos agora, para amar mais depois.

Que a Irmã Morte lhe tenha chegado com ternura, que tenha lhe acariciado os cabelos, que lhe tenha tirado o temor do olhar e que lhe tenha beijado com plena meiguice a face.

manhã do dia 25/12/2011

Lígia Martins
Enviado por Lígia Martins em 13/01/2012
Código do texto: T3439137
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