Imortais - O filme

Antes de tudo, quero esclarecer que este texto não é uma crítica do filme Imortais. Não poderia fazê-la, pois não me sinto habilitado para tal. Não sou crítico de cinema, não sou crítico de artes. Apenas um apreciador da sétima arte, talvez me enquadre no que comumente chama-se de “cinéfilo”. Mas enfim, gostaria apenas de fazer algumas observações sobre minha ida ao cinema recentemente, para ver tal filme. Aqui tratarei do que vi na tela e na sala de projeção.

Bem, tenho o hábito, antes de ir ao cinema, de ler críticas sobre o filme que irei assistir. Faço isso apenas por força do hábito, talvez, porque quase nunca concordo com os críticos, quando dizem que tal filme não presta, ou que outro é de alta qualidade. Mas leio tais críticas, acho divertido e creio que faça parte dos meus “rituais” para ir ao cinema.

É fato também que alguma vezes concordo com algumas críticas que leio. Realmente, alguns críticos de cinema, de quando em quando, escrevem coisas que são realmente coerentes com o que vejo na tela, pelo menos coerentes com a minha percepção.

De todo modo, o que quero dizer é que fui ao cinema já preparado para o pior. Porque, antes de tudo, a cópia a que fui assistir era dublada. E aqui abro um parenteses para falar sobre a verdadeira epidemia de filmes dublados que acomete os cinemas do Recife. Não sei se no resto do Brasil é assim, mas aqui no Recife, ultimamente, a maioria das salas de projeção tem optado por exibir cópias dubladas dos principais filmes do “circuito comercial” que chegam por aqui. Lembro que quando era adolescente, todos os filmes não nacionais a que íamos assistir no cinema eram sempre na versão original. Assim era também na época de meus pais, isso eles me dizem. Antigamente ia-se aos cinemas dos bairros para se assistir grandes clássicos do cinema de Hollywood , sempre em suas versões originais. Antigamente, era necessário saber ler para ir ao cinema.

Vi uma matéria em algum lugar saudando o avanço econômico das classes C e D, e que um dos indicativos do aumento de renda dos brasileiros é o aumento de público nos cinemas proveniente dessas camadas mais populares. O Crescimento das cópias dubladas seria para atender este novo público, sedento por lotar as salas de projeção dos mutiplexes. Isso, na minha avaliação, é nivelar por baixo o público. Então temos que acompanhar a horda de analfabetos que agora lotam os cinemas, pouco se importando com o trabalho cênico dos atores, pois a dublagem descaracteriza a interpretação original, porque o mercado entende que é isso que o grande público deseja? Paciência, mas creio que tal demanda por filmes dublados seja não apenas sinal de que as classes C e D consomem mais cultura, mas sim que estamos efetivando uma “cultura de analfabetos”, que não lêem absolutamente nada, que crescem apenas sabendo assinar seus nomes e se comunicando agora em uma nova forma de português, o “internetês”.

Mas saindo da questão da dublagem do filme, mesmo antes do início de projeção da película, percebi que havia algo de estranho na platéia que aguardava o começo da sessão. Sei que estamos no período de férias escolares, e que indubitavelmente teríamos um grande número de adolescentes na plateia, graças também ao fato do filme ser dublado, é claro. E este fator (de novo ele), a dublagem, também creio ter contribuído para que houvessem famílias na platéia. Isso mesmo, papais e mamães com seus filhinhos pré-adolescentes e crianças ainda. Tudo muito bonitinho, tudo muito saudável. A não ser por um detalhe: a violência explícita do filme.

Creio que nossos distribuidores de filmes estão tratando, pelo menos aqui no Recife, Imortais como um “filme de férias”, ou “filme de verão”. Aqueles filmes feitos para toda a família, programa perfeito para papais e mamães levarem seus pimpolhos nas tardes de domingo. Além do que, é sabido que há alguns anos a censura foi abolida no Brasil, e posteriormente o Ministério da Justiça regulou a entrada de crianças e adolescentes em cinemas, shows, peças de teatro, etc. Salvo engano, a classificação etária dos filmes tem apenas um caráter indicativo, e não mais proibitivo. Assim, um filme classificado em “16 anos”, por exemplo, pode ser assistido por uma criança de 10, 11 anos, desde que acompanhado de pais ou responsáveis, ou de uma procuração dos mesmos.

Então cá estamos. A sala lotada de adolescentes e famílias para assistirem Imortais. Cópia dublada, ideal para as criancinhas assistirem junto com a mamãe, o papai ou a vovó. Inicia-se a projeção. Constato que, nesse caso, os críticos estavam certíssimos: O roteiro é péssimo, confuso, não há continuidade no desenvolvimento da trama, uma salada com a mitologia grega. Sobre os desempenhos dos atores, não há muito a dizer. A dublagem não permite. Entretanto, percebo que a expressão do rosto do ator Henry Cavill, o Teseu no filme, e que será o novo intérprete do Superman no cinema, indubitavelmente em todas as cenas, não muda. Ele me pareceu um ator medíocre, ou pelo menos que não esteve à “altura” do papel (embora eu não seja crítico, insisto). O antagonista, Mickey Rourke, o Rei Hyperion, também parece não muito feliz na fita, apesar da a dublagem novamente me usurpar a possibilidade de fazer uma real avaliação da interpretação dele. De todo modo, diante da mediocridade geral do filme, penso que o astro de “Nove semanas e meia de amor” e do recente (e que lhe valeu uma indicação ao oscar) “O lutador” deve estar passando por dificuldades financeiras, para topar aceitar um trabalho desses. O restante do elenco, está no mesmo nível dos dois protagonistas, ou seja, lamentáveis.

Mas o filme não é de todo mal. A fotografia é belíssima, e as coreografias das batalhas, espetaculares. Parece-me que o diretor, o indiano Tarsem Singh, fazia clips musicais antes de dirigir filmes para o cinema, e o estilo “pop” ele trouxe. Um espetáculo a parte, as batalhas. Principalmente o confronto final entre os deuses do Olimpo e os Titãs.

Mas é exatamente este espetáculo de sangue, de cabeças e membros decepados, pedaços de crânio e de cerebelo voando em nossas direções, já que assisti o filme na versão 3D, o que me incomodou. Não por me sentir nauseado com a violência das cenas (embora algumas tenham me chocado), mas por ver na plateia pais com seus filhos, assistindo aquilo de forma mais tranqüila e serena. Pensei que, às primeiras projeções de violência e sangue, o séqüito de pais e filhos se retiraria do cinema, pois talvez os pais não sabiam do que se tratava a fita. Pensei que ao perceberem onde estavam, sairiam rapidamente, chocados e indignados por terem submetidos seus pimpolhos àquele espetáculo grotesco. Mas não. Todos acompanharam a fita até o fim. Às vezes eu tirava os olhos da tela e olhava ao lado, para ver a reação da plateia. Todos muito concentrados, adultos e crianças boquiabertos, sem tirar os lhos da tela. Ao término da projeção, ao acender das luzes, todos saíam da sala animados e festivos, enlevados em restos de pipocas, refrigerantes e do sangue imaginário, que parecia de fato ter sido aspergido da tela. De minha parte, fiquei pensando sobre a banalização da violência, tão presente nos programas de televisão ao meio dia e nos combates UFC, agora em horário nobre na Globo; e presentes também no cotidiano da vida de nossas crianças, e que faz pais e mães levarem suas crianças para assistir tamanha barbárie. Ou, do quanto ainda sou cretino de me espantar com o que vejo de (aparente) absurdo nesta mundo.

Marcio de Souza
Enviado por Marcio de Souza em 17/01/2012
Reeditado em 19/01/2012
Código do texto: T3446088
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