QUEM EXPLODIU A GRANADA?

QUEM EXPLODIU A GRANADA?

No ano de 1949, em que a rigidez no ensino escolar era verdadeiramente respeitada e mantida, ser indisciplinado era motivo de castigos severos e até de punições mais drásticas, para colocar os alunos na linha.

Waldemar, o meu marido, que então eu nem sonharia conhecer, ficou famosíssimo nesse egrégio colégio católico, pelos muitos aprontos, e indisciplina era mesmo "ordem do dia" para ele, que sabia como driblar as irmãs franciscanas, americanas, que fundaram o Colégio São Miguel Arcanjo, praticamente desde que esse bairro lituano existe.

O forro da sala de aula, uma vez ficou lotado de bolinhas, que as freiras se perguntavam "o que seria"?:

- O que ser isso? Son bichos comendo o teto?

Não, não eram bichos ou cupins, mas aquelas bolinhas eram produto de papel higiênico previamente molhado e amassado, que durante as aulas, enquanto a freira estava de costas, ele lançava ao teto, incitando outros alunos a fazerem o mesmo e as salas todas ficaram repletas dessas bolinhas e eles se divertiam por ver a ingenuidade das pobres franciscanas, que de boca aberta, olhavam para o alto, sem entender, por que, dia-a-dia, aumentava o número daqueles "bichos" desconhecidos.

Raramente o Waldemar retornava à sala depois do recreio, pois gostava de ficar matutando sobre o que iria fazer para enfernizar a vida de todos, e um belo dia, fabricou uma enorme bomba, desmanchando alguns morteiros e juntando a pólvora numa grande bola, que explodiu num dos banheiros, fazendo um enorme buraco na porta.

- O que ser isto? - Gritou estupefata a madre superiora! - Deve ter explodido a nossa cozinha. É o botichom - e ele se divertia com os sustos que pregava. Era uma corrida geral.

Dessa vez, ele levou suspensão de uma semana e ainda os pais ficaram intimados a pagar pela porta nova.

Tudo pode se tornar muito perigoso, quando as crianças são por demais levadas, e o Waldemar adorava o perigo, indo muitas vezes nadar na "Olária", próximo ao Bairro de São Caetano do Sul e para tanto costumava cabular as aulas.

Numa dessas vezes, ao se jogar no rio, bateu com a cabeça numa grande pedra, e por um momento apenas, desmaiou; mas voltando logo a si, quase sem fôlego, conseguiu subir à tona e os amigos nem perceberam que ele quase morrera.

Assim, andar com o perigo era mesmo seu ideal de vida e fabricar uma ronqueira, arma bastante perigosa, feita com um cano onde era socada a pólvora que, detonada, tinha realmente o efeito de um tiro de espingarda, foi motivo de satisfação interior para ele e por meses a usou para caçar passarinhos no morro do Jardim Avelino - onde hoje é o Crematório de Vila Alpina - e ele conta, que numa dessas vezes a explosão foi tão violenta, que ele ficou surdo durante muito tempo - até que um dia, um amigo quis comprar essa arma e ele a vendeu, mas o garoto não teve muito cuidado ao usá-la e perdeu dois dedos da mão, ao detoná-la, e o Waldemar ficou extremamente arrependido por ter causado tão sério acidente.

Foi assim a infância de meu marido, que é realmente um gênio de inteligência, mas que detestava ficar recluso à uma sala de aula.

Meus filhos, Fábio, Maurício e Jairo - hoje moramos no Tatuapé, próximo ao Jardim Anália Franco - herdaram muito do pai, no que se refere a praticarem travessuras e traquinagens e também me aprontaram algo parecido, quando, um dia, o Jairo segredou para mim:

- Mãe... Olha "esse negócio" que o Fábio escondeu no armário do quarto de despejo:

Olhei para "aquilo", na mãozinha do menino e levei um susto violento, ao me deparar com a engenhoca, que adivinhei ser uma bomba caseira - acho que era igual a que o Waldemar fizera explodir no Colégio São Miguel - Era redonda e cheia de pontinhas e já vi minha casa indo pelos ares se o bicho explodisse.

Cuidadosamente tirei a bomba das mãos do menino, sem respirar, e a recoloquei na última prateleira do armário... e então comecei a tremer...

- Meu Deus! - fiquei muito assustada e esperei ansiosamente meu marido voltar do trabalho, para retirar aquele negócio do meu armário.

Não disse ao Fábio que achara sua bomba - minha vontade era esganá-lo - mas fingi que nada tinha visto, pedindo ao Jairo que calasse a boca também.

Ao chegar do trabalho, o cínico deu risada ao ver a minha cara de pavor, dizendo que levaria a bomba embora no dia seguinte.

Nem consegui dormir, só pensando "naquele negócio" guardado no armário do quartinho de despejo.

Ao invés de levar a bomba embora - eu me horrorizei - logo pela manhã o pai juntou os meninos, que ficaram de longe, na calçada, acendeu o pavio, atirando a bomba no terreno baldio ao lado de nossa casa, mas a danada não explodiu, pois o capim que estava molhado pela chuva da noite anterior apagou o pavio, e a engenhoca ficou perdida no meio do mato - o Jairo veio correndo me contar, mas o pai já havia ido embora pro trabalho e levara os outros dois para a escola; eu corri para olhar se não havia nenhuma criança brincando no terreno, pois fiquei apavorada, com medo de alguém pisar e o atrito provocar a explosão.

Fiquei a manhã toda de guarda na frente do terreno, não deixando ninguém entrar - que sofrimento! - e quando a perua trouxe os dois meninos da escola, as onze horas, eu estava lá, plantada e o Maurício me perguntou porque! Eu expliquei, e ele, dando risada, me disse:

- Mãe! Cê ficou aí a manhã inteira? A bomba não tá aí mais não! É que o Jairo não viu, mas o pai mostrou onde estava e a gente recolhemos - ele falou num mau português.

- Nossa! Cadê a bomba menino!?

- Ele levou pra fábrica.

- Meu Deus! Não posso acreditar que essa bomba esteja agora na fábrica do seu pai! Vou ter um enfarte!

- Calma, mãe! Ele vai desmontar a bomba.

Ouvindo isso fiquei realmente um pouco mais calma, imaginando que o drama tivera fim, mas, no fim do dia, ao retornar do trabalho, o Waldemar me informou, quando eu lhe perguntei que destino dera à bomba:

- Está guardada na fábrica e no sábado vou levá-la pra explodir no sítio!

- Não acredito! - &%$&&%#& falei um palavrão - Não fosse pelos operários da tua fábrica, e meu gosto é que ela explodisse com você lá dentro!

Na sexta-feira essa maldita bomba voltou intacta, para nossa casa, pois no sábado eles iriam para o nosso sítio em Igaratá, explodi-la! Foi mais uma noite em claro!

Quando de manhã, minha sogra, D. Pola, chegou para ir junto, falei outro palavrão &&$##&&%, e pensei - mais uma - muito católica, ela olhou feio para mim, sem saber porque eu estava tão irritada - e o que era pior, eu não poderia ir, pois precisava acompanhar minha irmã ao médico, e nem dizer do meu medo da bomba explodir no carro, pois poderia soar como mau agouro e me parecia, que seu eu fosse, seria mais seguro.

Mas eles foram mesmo sem mim (Jesus, me dê forças, pensei!).

Lá foram eles, e eu sofri as penas do inferno, com medo de quê, com o balanço do carro, a bomba explodisse no caminho. Que homem insano, esse meu marido!

Esperei desesperadamente a volta deles - na época não havia a possibilidade de se falar através de um celular e fiquei mesmo na ignorância do que acontecera, até eles voltarem.

Minha sogra, assim que me viu, desceu do carro e me abraçou dizendo:

- Iesus, Mari (em lituano) você não viu! - Depois começou a rir, lembrando de tudo.

Olhei aliviada os meninos descendo do carro, sãos e salvos e vindo correndo me contar:

- Mãe, foi um barato! O pai jogou a bomba longe, e o estouro foi tão grande, que abriu um buraco no chão e os cachorros do caseiro, saíram cada um prum lado, ganindo de medo! - minha sogra pôs a mão no coração.

Fiquei mais de uma semana sem falar com ele. Realmente, não dá para acreditar que isso não tenha sido ficção!

Tudo porque o vizinho de frente, o Edson, com raiva, jogou fora um monte de rojões que deixara de explodir, quando o Corínthians perdera o Campeonato Paulista e meu filho os encontrou e, lembrando que um dia seu pai aproveitara a pólvora de alguns morteiros, à exemplo ele desfez os rojões, juntou a pólvora e fez aquela enorme bomba.

De artesãos e de loucos, será que todos nós temos um pouco? Sei lá!

Só sei que foi duro ser mãe de tais garotos e mulher de tal marido!

Mas consegui sobreviver!

Dizem que ser mãe é padecer num Paraíso, e olha que devido a certas circunstâncias, quase que num "Paraíso" mesmo!

Meu Deus, se isso for genético, ainda terei estrada dura pela frente, quando meus netos nascerem...

Até, meus queridos! Outro dia conto mais! Ufa! Beijos a todos!

MWarttusch

.

.

MWarttusch
Enviado por MWarttusch em 21/01/2012
Código do texto: T3453720