A morada

A morada era um majestoso casarão que atualmente contrastava com os imóveis construídos ao seu lado. Ele estava localizado na Rua da Gloria Monique, nº 100, no Bairro da Boa Esperança.

Esse castelinho como era conhecido o casarão pelos moradores da cidade, tinha sido edificado na década de trinta, a mando de Mauricio de Carvalho Filho, um dos primeiros prefeitos eleitos pelo povo da pequena cidade, de Rio do Sul. Esse casarão se tornaria um dos pontos mais importantes de referência turística da cidade, se não fosse o seu péssimo estado de conservação mantido pelos atuais moradores ou proprietários que lá viviam, era um casal de velhinhos emblemáticos.

Uns diziam que esse estado de conservação do imóvel tinha outros motivos que não fossem o relaxo ou o desânimo dos moradores do casarão, para reformá-lo, uns ainda falavam, que a causa dele estar nessa situação vinha de uma briga antiga de família, que queria vender o imóvel, outros também falavam que a verdade fosse que o imóvel não podia ser reformado, porque sendo uma das primeiras construções daquele lugar, deveria ser restaurado por pessoas especializadas para depois ser tombado pelo patrimônio publico turístico da cidade.

Mas na real mesmo o que estava acontecendo era que o casarão estava caindo aos pedaços e ficando em ruínas. Mas ainda assim, viviam nele os dois estranhos e esquisitos moradores, cujo mais antigos da cidade contam serem os últimos parentes dos primeiros donos que mandaram construir o imóvel e que moraram ali por varias décadas.

Eles formavam um casal de velhinhos já a beira da cova, ela uma senhora de uns sessenta anos de idade de estatura mediana, branca de olhos azuis, e cabelos claros, mas já quase todos grisalhos, aparentando ser uma boa senhora. Já aquele homem que supostamente todos pensavam ele ser o marido da velha senhora, tinha aparentemente a mesma idade que ela, calvo, alto e magricela.

Ambos, segundo as más línguas do lugar, não trabalhavam e passavam horas e horas cuidando de um lindo jardim que havia na frente da casa, jardim esse em que havia nele várias roseiras de cores vermelhas e brancas.

Segundo estes moradores, os dois velhinhos quando não eram vistos ali revolvendo a terra preta do jardim, plantando e colhendo as suas rosas, encontravam se sentados em cadeiras feitas de palha na varanda da casa, lendo, jogando pife ou mesmo só colhendo o tempo e os minutos do relógio, ou ainda dormindo cada um em um canto da varanda como se estivessem esperando a chegada de alguém para os recolherem dali, ou ainda como se estivessem mesmo em outro mundo.

Nesse que muitos moradores do bairro consideravam um imponente casarão antigo, mas muito belo apesar da sua atual aparência que lá já haviam estado recentemente para fazer algum pequeno serviço ou favor para os velhos, diziam que em um dos quartos da casa vazio de gente, mofado pelo tempo sujo da vida, repousava uma cômoda de cor bege, onde sobre si confortam-se apenas umas poucas fotos em porta retratos de vários tamanhos, demonstrando momentos felizes, outra hora vividos ali entre a família, naquele agora, ínfimo cômodo tosco e fúnebre.

E nas gavetas daquele pequeno móvel se achavam roupas de criança, meias, calças, vestidos, muitas fraldas bordadas, sapatinhos de lã, e tudo mais que um dia a alguém essas pequenas coisas guardadas ali pertenceram. Mas agora a dona delas, eram mesmo as gavetas da cômoda que como um mortuário as conserva arrumadas e organizadas, longe das traças, moscas, baratas ou mesmo os ratos que o rodeavam, de fome ou da curiosidade que os agitavam durante as madrugadas sombrias da casa.

Ainda no canto do terrível cômodo, também era possível ver encostado na parede descascada de tinta azul bebê pintada na parede, um grande baú cheio de brinquedos, esperando por mãos e vozes infantis, que lhe devolvessem o sentido da vida, que também lhes foram tiradas com a partida de uma história cheia de energia e magia de duas lindas e graciosas meninas, filhas daquele agora triste casal de velhinhos.

E já descendo os degraus de uma das escadas feitos de madeira nobre, olhando para a garagem da funesta moradia, em que havia estacionado nele um carro velho, se viam ainda penduradas nas vigas que sustentavam o telhado da garagem, também deteriorado e esquecido pelo tempo e por falta de manutenção, duas bicicletas caloi, corroídas de ferrugem e pela maresia do mar.

E ao visitante que tivesse a oportunidade de ter passado ou que passasse pelo portão principal do casarão, lhe seria possível observar também, assentado de frente para a porta da sala, sobre os degraus da pequena escadaria da varanda todos os dias, mas em especial aquele dia também, dois buques de rosas brancas, colhidas no próprio jardim da casa, já com endereço e destinos certos, digam-se de passagem, elas seguiriam para a rua do ouvidor, o novo endereço das antigas moradoras do antigo casarão.

Aqueles dois buques de rosas que foram colhidos serviriam mesmo, para serem levadas pelo casal de velhos, para o Cemitério Vertical, Morada da Paz, para serem enfiadas dentro dos vasos, encostados nas lápides de suas duas meninas, que repousavam já há muito tempo ali, e onde pensavam os dois que as coisas materiais da vida, agora sem valor algum para eles, apenas simbolizavam o amor, o respeito e a saudade do outro ser, que ficou sozinho e que ainda tentava viver uma vida, mesmo diante de tanta dor e sofrimento pela perda prematura de duas filhas.

Esse sim seria apenas mais um dia para eles, sem as crianças da casa, mais ainda não era exatamente o dia das crianças aquele, mas sim um dia especial, o dia de finados, que não poderia ser esquecido por eles, assim como o dia do aniversário das meninas, ou mesmo o dia, exatamente o dia das crianças, por isso as flores, rosas, as rosas brancas.

“Os anjinhos gostam, eles fazem festa lá no céu...” Sim, era o que pensavam os dois velhinhos, que depois daquela triste e inconfortável visita naquele cemitério voltariam de mãos vazias para aquela triste e majestosa morada, que estava caindo aos pedaços e em ruínas, como agora suas miseráveis vidas se encontravam.

Marcello dos Anjos
Enviado por Marcello dos Anjos em 22/01/2012
Reeditado em 01/05/2012
Código do texto: T3454607
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