HILDA COM "H"
Mais um daqueles domingos insossos.O sol deu as caras pela manhã e a tarde cinzenta arrasta-se num ar nostálgico.O vento que entra pela janela traz-me um cheiro indecifrável,embora muito bom, e os ecos malditos dum funk vindo lá das bandas da rua Rio de Janeiro.(uma tortura).
Comecei o dia de hoje,como costumeiramente,visitando algumas escrivaninhas de amigos recantistas.Excelentes e inspirados textos fizeram-me sentir o sabor delicioso (e indecifrável rsrs...)da boa leitura.
Na página do Ciro Fonseca,um poema lindo,envolto numa saudade que sente-se em cada linha,dedicado á sua mãe.Interessante como os assuntos nos estimulam a tentar falar da mesma coisa.
Domingos,geralmente,nos remetem aos aconchegos da casa materna.A minha,que abre-se ainda em portas e janelas,continua escriturada no cartório de minhas lembranças e é pra lá que costumo escapar quando a dupla "solidão & saudade",aliadas, tentam me fragilizar.
De repente,aquele cheiro de macarrão caseiro.O que restou do café da manhã,ainda sobre a mesa,açúcar,afeto,rádio ligado..."Relembrando",nas ondas curtas da clube paranaense ,era o programa favorito.Seu Jango preparando baralhos para os "carteados"da tarde e ela,dona Hilda ,com seus quitutes mexidos à cadência da valsa "Branca" de Zéquinha de Abreu,que escancarava-se pela vizinhança.
Não!...Esta casa eu não vendo.Inútil insistir.Não há preço que pague por ela.
As gavetas garantem-me, hoje ,alguns subsídios para compensar "estas manias dominicais nostálgicas".
Fotos,anotações,receitas e...até um cartão postal endereçado àquêle que fora seu par por mais de 50 anos.

Ela frequentou muito pouco a escola e do pouco que aprendeu,soube fazer bom uso e com muito carinho.
Alguns pequenos erros de portugues são perdoáveis diante do capricho com que "desenhava "seus manuscritos.
Reuni alguns como forma de comprovar a minha afirmativa;

Enquanto relia estas preciosidades, ia aos poucos refazendo os grandes momentos de alegria vividos na singeleza de nossa casa.Os fins de semana trazendo sempre a visita de parentes ou "compadres",vindos de longe,à quem preparava-se todo um ritual de espera.
A varanda bordada de folhagens emoldurando a figura da "crocheteira", alegre e sempre disposta a retribuir efusivos cumprimentos vindos da estrada de chão.
(No interior ainda é assim. Corações criam asas para acompanhar acenos)
O pomar abarrotado de frutas e a piazada dividindo com sanhaços o banquete das ameixas.
A vida em suas diferentes etapas:
Primeiro,um tempo de pescarias,liberdade,descompromissos.O mundo vislumbrado pelos portais de arco iris perenes como se a existência fosse feita tão somente de cores vivas.
Depois,a adolescência,os anseios,os primeiros amores,as primeiras frustrações...
Na sequência a fase adulta A dureza da realidade amargada passo à passo.
Em quaisquer das fases,o refúgio,o aconchego,na cozinha da mãe.
Depois a inevitável constatação:
Um dia  as  portas  se  fecham e tudo o que resta é tão somente a lembrança do ninho e das asas que nos aqueceram em diferentes estágios .
É a lei natural das coisas.
Gratificante pra mim,é reve-la agora .Esta foto,lembro-me,fui eu quem a tirei.Era na tarde de um domingo e,estranhamente,não haviam parentes nem compadres nos  visitando naquela ocasião.Fôra para o meio do jardim e posara com a alegria que sempre deixava transparecer em seu semblante.
O Ciro é o culpado destas minhas reminiscências,porém, confesso que me é sempre muito gratificante relembra-la,Dona Hilda,minha saudosa mãe.

E,como a senhora costumava sempre frisar, "Hilda!...Com H".