Solidão de Cardume

Tudo é carpete e as velas pingam em cima da estante; a janela está coberta por jornais do passado, mas com notícias do futuro; tudo é tão escuro e a guitarra de Hendrix é mais do que alucinógena; um pufe em cada canto serve apenas para apoio de cabeça. Pela casa cigarros, garrafas e muitos corpos estendidos, muitos deles assim como nascemos se espalham e se desdobram em formas e curvas; a conversa rola apenas para aqueles que a querem e muitos só observam a pequena diplomacia. Não possuímos televisões e nem mesmo fibra ótica; os olhos se acostumam com a sombra das velas; na cozinha alguém prepara o velho maçarão com salsicha e um café para depois. Digestivos são apertados dentro de folhas de arroz; algumas risadas soam em tom de alegria, outras apenas sugam os fluidos metódicos de quem não se mistura. No quarto a luz entra por uma grande janela, sem ter se quer um jornal; o sol que entra deve ser o do meio dia, mas ninguém tem certeza; a casa não tem relógio e nem se quer compromisso com a sociedade, lá não existe um bocado de palavras da qual usaríamos em nosso dicionário circunstancial; a iluminação é vitamina D injetada direto nas glândulas que os deixam com ar de pureza e satisfação. Apenas um colchão e muitas mentes; somos criaturas normais e temos a força do amor do nosso lado; é tão tarde pra voltar atrás, esqueceremos todas as leis e vivermos através da compaixão que exala o perfume do tato em nossas peles.

Essa é a vida tão mais simples e divertida e ao mesmo tempo destrutiva; nem o sono pode tomar conta da dor que mutuamente derruba um a um depois da primeira dose de energia; lá se encontram poeta de utopia, músicos imaginários e muita gente que só procura pela paz. Fora dali não podemos sonhar com um mundo diferente, tudo vai desmanchando em pedaços e a força desse orgasmo incontrolável derruba a insanidade de quem já esta fora de órbita. Agora já estou livre e confundo primeira pessoa com terceira, sei que não estamos sozinhos nesse universo, ninguém seria tão egoísta a ponto de fazer um mundo solitário; não é possível que o homem seja o responsável pela multiplicação universal, não, aquele velho ditado de que errar é humano não cabe aqui, duas vezes seguida já é burrice, mas quem disse que fomos criados por algum ser humano?! Alguém tirou foto do criador dessa zona? Acho que tem alguém batendo na porta; engraçado, não me recordo de ter subido nesse lugar... Nossa, o azul domina tudo aqui, não vejo mais a sala e nem os incensos que acendi, acho que deixei de ser humano. Vou dormir e voltar a sonhar, pelo menos esqueço que estou nesse lugar; quem poderia viver nesse mundo? Acho que posso criar meu mundo, criarei meu mundo e depois o que farei se não posso compartilhar dos problemas e soluções do mesmo? Viverei eternamente sozinho. Meu mundo será um reflexo da vida solitária que vou levar assim como quem nos criou. Realmente não dá para criar um mundo e carregar como fardo pro resto da eternidade, essa cruz é muito pesada.

R Davoglio
Enviado por R Davoglio em 13/01/2007
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