Solilóquio

Subo incansavelmente rumo à região central da cidade, mais precisamente rumo ao marco zero que estipularam. É ali que tudo começou. Dali a cidade se espalhou. Ganhos contornos, avenidas, praças, casas, prédios, parece sem fim.

De um lado e do outro, pessoas conversam, balbuciam palavras incompletas, enroscam-se em frases, sozinhas. O diálogo é monólogo. Parecem enlouquecer.

No ônibus cantarolam as músicas daqueles pequenos rádios, porém ensurdecedores. O celular não fala mais, não estabelece contato, não há mais interlocutor, o pequeno aparelho tecnológico é tudo e não é nada. O seu dono reproduz apenas o que sua varinha mágica possibilita. Conduzindo o veículo segue o motorista que também canta apenas a rádio preferida. O cobrador reclama, o passageiro observa e não dá atenção. Com quem ele fala?

Naquele bar o senhor toma calma a sua cerveja, observando a todos que ali adentram. Resmunga, gesticula ninguém lhe dá atenção, mas ele não queria ser atendido. É um momento só seu apenas dele. Ponto.

Num dos bancos daquela praça o senhor conversa com a estátua de Mário Quintana, que não se cansa de aconselhá-lo. Ele parece não ouvir ao poeta dos passarinhos. Mário é menino, é guri, é ave, Mário voa num senhor que deixou de envelhecer.

Retorno à minha morada exausto por não ter falado com ninguém. Mas são aquelas duas entrevistas pelas quais fui submetido? De um lado uma psicóloga e suas teorias procurando saber mais de mim. No outro, eu que não me canso de falar. Tenho a certeza de que aquelas informações que passeia a ela serão deletadas quando a vaga for preenchida. A psicóloga não se lembrará mais de mim, nem do meu discurso. Não houve troca de informações, de nada valeu o que eu disse. Solilóquio.

No apartamento acima ao meu a senhora canta enquanto arrasta os móveis pela madrugada. Parece falar sozinha, dialogar consigo. De que forma? Não sei.... Só sei que não há mais com quem dialogar.

Sergio Santanna
Enviado por Sergio Santanna em 24/01/2012
Código do texto: T3458161
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