“Zeca”.

          Desde menino fui pescador.
No começo por brincadeira, depois por dinheiro mesmo, ganhava mais pescando do que trabalhando na roça.
Levei essa vida por muito tempo.
Quando me tornei rapaz, conheci uma caboclinha empinadinha, bonita que ela só.
Começamos a conversar, e lá vai, e lá vai, a gente começou a namorar.
Ficamos noivos.
Não demorou muito já estavamos  casados.
O ranchinho que eu morava na barranca do rio, era feio demais.
É que eu sempre fui desmanzelado.
Mas minha mulher chegou e arregaçou as mangas.
Meteu o martelo nas taboas, arrancou as velhas e colocou novas, plantou flores.
Deu uma reforma geral.
De repente aquela tapera velha, ficou uma casinha linda de se ver.
Toda vez que eu convidava algum companheiro para tomar café comigo, ficava admirado, que casa bonita você tem.
Eu ficava todo orgulhoso.
Aí ela engravidou, ficou mais bonita ainda.
Ela era muito simples e tinha sonho simples, queria construir um santuário da santinha de sua devoção, bem pertinho de casa.
Eu a engambelava, vou fazer, vou fazer, e não fazia nunca. Acho que ela estava de oito meses mais ou menos, e começou a sentir dor.
Corri atrás da parteira.
Demorei em chegar e ela estava banhada de sangue.
Tinha feito o parto sozinha, o nenê estava errado, o cordão enrolou no pescoço.
Ela para salvar a criança se cortou toda.
Levei-os para o hospital, a criança se salvou ela não.
Foram tempos difíceis mas o moleque veio sadío, num instante pegou peso e ficava cada vez mais forte.
Como meu tempo era todo em casa ensinei a ele tudo de pescaria.
Acho que ficou tão bom quanto eu, acho que melhor ainda. Aprendeu a nadar e pescar .
Nadava igual a um peixe.
A gente discutia, brigava, brigava, mas sempre ficava de bem.
Nós tínhamos um trato, mesmo que brigasse para entrar em casa, tinha que ficar de bem.
Construi a igrejinha que ficou muito bonita.
Aí o Zeca a pintou de azul, ficou maravilhosa.
Às vezes um amigo falava você precisa casar, o menino precisa de uma mãe.
Mas eu era o pai e mãe dele, contando das coisas erradas e certas da vida.
Eu até tomava uma caninha, por causa dele parei, para não dar mal exemplo, não ensinar coisa errada.
Eu batia tarrafa até bem, mas o Zeca era melhor, ficava na ponta do barco e batia redondo, totalmente aberta, e lá vinham os peixes.
Quando pegava enrosco, ele mergulhava, ia lá no fundo soltar.
Às vezes ele brincava, demorava em subir, quando começava a me preocupar, ele surgia atrás do barco só para me aperrear.
Íamos para a cidade vender os peixes e aí vinham às mocinhas com olhos cumpridos em cima dele.
Tinha uma que sempre conversava com ele, aí eu falava.
-Chegou a minha nora.
Ele ficava bravo, mas logo ria, acho que gostava dela.
Tragédia.
Chovia há vários dias, a água estava turva, os peixes haviam desaparecido.
Tínhamos que ficar mais horas no rio.
E ainda levar pouquíssimos peixes para vender.
A tarrafa enroscou, ele mergulhou para tirar.
Começou a demorar demais, pensei que ele estivesse brincando.
De repente, me bateu uma agonia, e pulei na água, quando cheguei ao fundo, vi que ele tentava se desvencilhar, pois a tarrafa havia se enrolado nele por causa da correnteza.
Ele não querendo usar a faca, pois estragaria a tarrafa, se deixou enredar.
Previ o desastre e tirei a faca da cinta, cortei toda a tarrafa soltando-o.
Subi com ele e ao colocá-lo no barco, ele me agarrou forte como se despedindo.
Fiz respiração boca a boca, tentei de todo jeito reanimá-lo, não consegui.
Tentei com o máximo de rapidez chegar ao hospital.
Levei, mas sabia que não adiantava mais.
Faz mais de um ano que perdi meu filho Zeca, virei um bêbado indigente.
Minha casa voltou a ser uma tapera velha.
Tava dormindo no banco da praça, não tinha para onde ir, nem o que fazer.
Devia ser de madrugada não sei à hora.
Ouvi aquela vós suave:
- Papai, papai.
Meu Deus o que está acontecendo comigo, estou ficando louco?
Uma luz suave, iluminava toda a praça.
-Zeca meu filho é você?
-Sim não precisa sofrer mais, venha conosco.
Ele estava bonito, parecia um príncipe.
Minha mulher também estava novinha, parecia uma princesa.
Os dois de mãos dadas me estendiam a mão dizendo.
-Vamos para casa, vem.
Senti-me leve eu também estava com roupas brancas.
Nossa, eu parecia um príncipe.
-Zeca eu morri?
-Papai não se preocupe, venha vamos te explicar tudo.
Você está começando uma nova etapa.
Por enquanto pense em nova vida.
Peguei na mão dos dois e caminhamos por uma alameda florida.
Com várias pessoas conhecidas todas de branco, que me acenavam rindo.
No outro dia, foi achado o corpo do pescador na praça, alguém ainda disse:
-Este morreu de beber, morreu feliz pode ver que está rindo.
Nossa passagem por aqui é transitória e breve.
Tentemos fazer o máximo de coisas boas.
Nossas ações, serão o dinheiro que comprará nossa felicidade futura.

Oripê Machado.
Oripê Machado
Enviado por Oripê Machado em 29/01/2012
Reeditado em 18/02/2012
Código do texto: T3469177
Classificação de conteúdo: seguro