RETRATOS DO COTIDIANO DE UMA MANHÃ

Nada pode escapar a um bom ouvido, nem mesmo as lamúrias de uma pobre mulher. Irritada que só ela, a infeliz soltava suas pragas e desalentos. No começo eram palavras ininteligíveis, soadas ao vento, avoaçadas ao sabor do tempo quente daquela fatídica manhã. Havia descido do ônibus e caminhava em direção a mais um dia de trabalho, quando que meio de repente, estava lá a mulher desembrulhando um texto. Confesso que, como mero comunicador, não deixei escapar quase nada. A primeira providência foi reduzir um pouco a velocidade dos meus passos e emparelhar naquele retrato ambulante, depois foi só começar girar os ouvidos e não deixar-se perder os detalhes.

Ela era pequena, como eram pequenos os momentos que pude aproveitar de sua presença miúda, escassa em tamanho, mas muito grande em ignorância. Tinha os cabelos pequenos e surrados pelas tintas que os comerciais de televisão dizem ser a última solução em embelezamento capilar; uma camiseta regata meio encardida, um pequeno short amarelo. Sandálias. Olhos cansados, fadigados pelo tempo, pelas preocupações que o leitor poderá supor – uma típica pernambucana. Seus gestos eram rápidos, como também o falar. Uma verdadeira metralhadora de palavras. Daquelas que davam o que nós chamamos aqui na terrinha, um bale, ou como queiram um baile de fechar a rua, deixando os cabôcos da Umbanda enciumados. Verdadeira trancadora de rua.

Pois bem, vamos aos fatos, coisas que a todos agradaria muito, é certo que por toda a curiosidade que este personagem da vida real pode suscitar. Como disse há algumas linhas atrás era uma mulher de gestos rápidos, de falar igualmente rápido e que soltava uma praga daquelas que o cronista até mediu a distância para que a quizumba não pegasse no couro. É que ela começara um festival de pragas entremeadas com as críticas sociais que só mesmo que sofrera na pele os desditos da vida poderia compreender realmente o que se passava ou se passa na cabeça de alguém. E ela começou assim:

– pobre nasceu pra se lascar mesmo! Se eu me arretar faço um catimbó que ele se lasca na hora. E quem tiver dentro do carro vai se lascar também!

Eu bem que poderia completar o pensamento daquela mulher. Ela tava arretada ou com o marido ou como a mulher do marido. Aqui tem dessas coisas mesmo. Além de ter que dividir o homem ainda tem que agüentar os desaforos de uma vida conjugal ilegalmente complicada.

Pobre mulher foi desaparecendo e seus sons foram se misturando a outros sons, quem sabe de outras que tomaram para si suas reclamações, suas angústias, seus palavrões.

Uma história, de tantas outras que por trás da cortina da vida simples, do povo simples de nossa terra, se constroem, se reconstroem. Agora mesmo ela deve estar rogando mais uma praga ao vento, para que todos a escute, para que surta efeito seu praguejar.

-Dane-se.

Puxou um cigarro barato, de uma carteira amassada, riscou o fósforo, tocou fogo. Encostou-se na porta. Agora espera o homem chegar. Aí ele lhe paga com todos os juros de uma boa arenga.