Um vaga-lume na escuridão

UM VAGA-LUME NA ESCURIDÃO

Minha existência foi pontilhada de transição entre luz e a penumbra, muitas vezes fugindo do isolamento. Na infância admirava pessoas corajosas, preparadas e intelectuais. Elas tinham uma luminosidade para mim. As palavras diferentes soavam alto, tinham uma conotação especial. Isso me despertava uma eloqüência na alma, uma emoção forte. Na minha adolescência, foram inúmeras cortinas nubladas, escuras até. Pouco a pouco acenando uma pequena clareira, o oásis em meio às asperezas do sertão.

Na idade adulta nunca consegui apagar a chama de minha mente e do meu espírito inquieto de força transbordante e esplendorosa. Não de uma luz fraca de vaga-lume, mas de diversos vaga-lumes, luzeiros no meu caminho. Foi o meu limiar na educação – substitua de uma de uma colega no antigo Mobral (Movimento Brasileiro de alfabetização de Adultos), na periferia de Fortaleza.

Lembro-me como se fosse hoje, sala pequena, sem reboco, tijolos mal caiados, coisa esquecida, meio abandonada. Ali, no bairro alto da Balança.

Fim de tarde quente de setembro, ano de 1972. Eu ainda mocinha, de densos cabelos pretos, curtinhos. Tímida ao extremo. Temerosa, excitada, sonhadora. Os alunos, jovens, outros mais velhos que eu, entre esses alunos constava na turma a minha irmã seve, também mais velha que eu.

Homens, mulheres, jovens, empregadas domésticas, mãos calosas, unhas maltratadas da labuta diária, mal vestida. Semi-analfabetos todos eles! De pai e mãe e de destino. Poucos sedentos de aprendizagem, traçando suas frases curtas desordenadas, suas leituras gaguejadas. Todos me olhando, tímidos, curiosos, indagativos, rostos bronzeados do sol de praia dos finais de semana, sob iluminação precária da sala humilde.

De repente escurece, os bancos de tábuas são postos para fora da sala. Ao cair da noite, aproveitando a luz do poste, a aula continua ao ar livre no pátio da igreja com dinâmicas e debates sobre o Sistema Educacional do Brasil, arriscando uma improvisação. Decifrando os traços daqueles rostos voltados para mim. Deus! Como foi interessante aquele momento! Como foi absoluto, inesquecível!

Aquela aula improvisada foi como uma de luz, um feixe de vaga-lume na escuridão despertando minha carreira de educadora que começou naquele dia, ali, ao relento, sem muros, pura liberdade, que eu tanto sonhara, porém bancos rústicos repletos de pessoas humanas com expectativas, sonhando com o saber. Naquela noite, naquele bairro. Naquele instante a magia da educação penetrou no meu ser.

Hoje, mais de três décadas são passadas. Mas foi naquele momento de luz que despertou a minha vocação de educadora. Fui professora de adultos, de crianças, secretaria, coordenadora, vice-diretora, e hoje orientadora educacional, a mais bela e mais essencial das especializações no campo da educação.

E novamente os vaga-lumes! Luzes e sombras permeiam minha caminhada, entrelaçada, intercalada numa constante simbiose mútua, procurando produzir o essencial para não esmorecer, para não parar nem esmaecer no tempo. Coragem e espírito de luz sempre irão me acompanhar.

Fortaleza, 01 de julho de 2002

Roseli
Enviado por Roseli em 15/01/2007
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