Para driblar a morte

É preciso ter um tanto de astúcia, certas artimanhas para adiá-la, porque ela vem. Sutil, às vezes, escancaradamente sem qualquer consideração , em outras, mas o encontro é inevitável. “Tarda, mas não falha”, dizem uns, mas nem sempre tarda; para alguns vem tão cedo que ninguém acredita. E quase sempre dói mais para os outros do que para quem ela visita, embora creiam o contrário.

É cercada de cerimonias, choros e dores e de uma aura de sacralidade que faz com que seja tratada com voz baixa, subterfúgios e eufemismos, como se fora um mal que, tratado claramente, se insinuasse mais com mais rapidez em nosso cotidiano. Alguns a mencionam como a certas doenças que, pelo estigma que carregam, são sussurradas nos cantos, após olhares desconfiados para todos os lados.

Sua vinda é inexorável, mas existem jeitos e despistá-la por uns tempos, de fazer de conta que o endereço é outro ou que inquilino não está, de deixá-la sem saber como agir. Viver cada dia em sua plenitude é fundamental, deixar o passado ser passado e depósito de boas lembranças, fazer planos, plantar umas flores ou árvores, não sacrificar o presente em favor de um futuro incerto, entregar-se com mais ousadia, sem medo de, eventualmente, quebrar a cara, ter e manter sempre um espírito de criança e de descoberta são alguns truques que confundem os caminhos da morte, e, confusa, demora mais a chegar, pois pergunta por estradas retas e tristes, estradas de conformismo e os passantes erram nas informações.

Compartilhar alegria é condição “sine qua non”, pois, em algum lugar, alguém pode ajudar e dizer para ela: “Espere mais um pouco, ainda não é hora”, e ela, que gosta de lágrimas e tristeza e não se sente bem em ambientes alegres, pode chegar à mesma conclusão. Fazer pequenas coisas, como arrumar uma janela, trocar uma lâmpada, passar um tempo na cozinha e caminhar olhando o pôr do sol são antídotos certeiros. E rir bastante, é claro.