Longe Vá Temor Servil!
 
               Rosa Pena

 
Os sintomas apareceram com Clint Eastwood. Carmela virava a indefesa bailarina de algum cabaré do velho oeste. Clint, o charmosíssimo mocinho, a salvava das mãos do impiedoso Charles Bronson e exigia ela de recompensa. Toma de chumbo grosso. Acordava o marido Arnaldo, de madrugada, e implorava que ele detonasse seu revólver. A arma dele ainda era viril, mas ele vivia esgotado com o trabalho, as despesas, a preocupação se o Mengo passaria ou não pra segunda divisão.

Em alguns momentos ela chegou a sonhar que o mocinho só a salvava depois que o bronco Bronson já tivesse feito de tudo com ela. Emílio, o segurança cafajeste do ponto do bicho da esquina, lembrava o Charles.

Ai, que Emílio!

Arnaldo começou a desconfiar da sanidade mental da mulher e ameaçou pedir o divórcio, levando os filhos.
Marlon Brando também freqüentou alguns dos delírios de Carmela. Nas manhãs seguintes aos surtos, Marlene, a doméstica, perguntava quem tinha enfiado um dedo na manteiga. Nunca viu disso, jamais ouviu um tango, que dirá em Paris.

Arnaldo, horrorizado com essa situação, mandou os filhos irem morar com a avó no interior.
Depois veio a fase de sonhar com o Johnny Depp por conta do Marco, seu vizinho adolescente, que virou um Don Juan. Foi sua fase de romantismo irrecuperável e contagioso. Acordava o marido para pedir beijos e amassos. Ameaçava atirar-se pela janela, caso ele não a cobrisse de roxos do pescoço até as coxas.

Arnaldo, estressadíssimo e o revólver já demi-bombé, quase deixou que ela saltasse. Ficaria livre de uma vez dessa doente. Desistiu do divórcio por ser dispendioso, mas a proibiu de ver definitivamente os filhos. Desesperada, desatinou até com o Faustão naquela de se vira nos 30.

Finalmente, foi aconselhada pela mãe a procurar um analista em caráter de urgência! Fez quase dez anos de terapia e parecia totalmente recuperada até começar a novela Páginas da Vida. O Thiago Rodrigues, que faz o papel de Léo, apareceu com a cara do imperador Dom Pedro I. A síndrome voltou mais forte. Veio com calores insuportáveis. Nem novena pra Santa Menopausa resolveu. Despertava o marido e exigia que ele a tratasse como Marquesa de Santos. Jamais quis ser Dona Leopoldina. Morrer e virar nome de estação de trem ou enredo de escola de samba? Nananinanão! Nada de ele ser mestre-sala, mas sim professor-de-quarto.

Arnaldo, que nem mais usava seu revólver, que já havia virado troféu na parede, decretou que a internaria num sanatório para doentes mentais ainda naquela semana. Se ela sonhava em ser alteza, seria sim!
Dona Maria, A Louca. Nunca mais veria os filhos.
O bom homem foi encontrado esfaqueado à beira do riacho Maracanã, vestindo sua camisa do mengão. Dizem que foi assalto ou briga entre torcidas. Como é violento esse Rio de Janeiro!

Marlene percebeu que a faca do churrasco domingueiro havia sumido, mas nem ligou. Já não precisava mais fazer almoço pros patrões nos fins-de-semana. Agora folgava direto, a partir de quinta. Dona Carmela, desde a viuvez, some toda sexta e só aparece na segunda. Afirma que está usufruindo sua liberdade, ainda que tardia.

 
Os filhos do casal gostaram demais de voltar a morar no Rio, apesar dessa maldita violência carioca. 

Adoram ver contente a mãe gentil.






Rosa Pena
Enviado por Rosa Pena em 16/01/2007
Reeditado em 15/08/2011
Código do texto: T348681
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