Efeitos especiais

Por vezes carregamos, desde a infância, sonhos de realização pessoal: quero ser bombeiro, quero ser médico, quero ser advogado, e até buscas estapafúrdias, mas que realizariam sonhos. Fatos novos podem desfazer aquelas pretensões infantis e montar um novo futuro, totalmente independente.

Passando pelo centro da cidade via-se um enorme cartaz oferecendo oportunidade do candidato se transformar em um astro do cinema, Hollywood colocava-se tão perto, que abandonávamos antigos projetos, para sermos assistidos por uma platéia comendo pipoca em um balde e tomando outro balde de Coca-Cola.

Tudo nos passa pela cabeça, como se fôssemos morrer no momento seguinte, nos imaginamos saltando de um prédio; perseguindo bandidos pelas ruas da cidade, em altíssima velocidade, apertamos o cabo de uma arma que nunca vê chegar ao fim os projéteis, derrotamos campeões mundiais num ringue, um campeão infinitamente mais jovem que nós, mas mostramos que idade não é documento, afinal já existe um provérbio que diz, mais ou menos isso e, numa apoteose iluminada beijamos, de forma ardente, a linda menina, com a mesma idade do lutador que já vencemos em parágrafo anterior; somos muito mais velhos que ela sim, e daí?

Nós três fomos contratados: eu, um desempregado, que já ia voltando para casa sem conseguir um emprego e um garoto que me passava a impressão de já ter cheirado todas naquele dia, mas me calo para não cometer uma calúnia ou indiscrição.

Nos passaram um roteiro grande, que exigia um grande elenco, cavalaria, índios e muitos peregrinos seriam mostrados no filme e eu via três artistas sendo contratado.

Os peregrinos foram tomados emprestados do filme No tempo das diligências, uma fila imensa de carroças, morosamente atravessando estados norte-americanos em busca do Eldorado; de repente a caravana é atacada por índios, que também vieram emprestados do filme Álamo. Os figurantes nunca tinham a mesma procedência, nunca vinham do mesmo filme, evitando assim que alguém da platéia pudesse identificar a película, ora rodada, com um antigo sucesso do gênero.

No início do filme haveria uma cena no saloon, onde o dono do bar seria o garoto do pó, o bêbado seria o desempregado, que incorporava literalmente o personagem e eu jogaria baralho com o contra-regra, adaptado à cena, por falta de um número maior de figurantes.

O diretor do filme mostrava-se fantástico nos efeitos especiais, e os três protagonistas eram transformados de médicos a fora-da-lei em questões de segundos, gênios eram o diretor, o pirata que furtava índios e cavalria de outros filmes e o responsável pela maquiagem, cabendo aqui afirmar que os três montavam uma mágica trindade.

A filmagem transcorria sem sobressaltos, em velocidade vertiginosa, pois tempo significa dinheiro, até que no final do filme a cena do mocinho e da menina linda. Como seria? Afinal nem uma menina aceitou o papel, pois foi comunicado às pretendentes que teriam que fazer também as prostitutas do saloon: nenhuma aceitou.

O papel do mocinho foi entregue a mim, senti-me poderoso, mas fiquei sabendo que a cena do beijo que antecede o The End eu teria que fazer com o usuário de pó, transvestido de donzela...pedi um dublê

Quando o diretor afirmou que não haveria dublê para a coroação da película, o beijo, o elenco perdeu um astro, pedi minha demissão.

Diria Nero pouco antes de entregar sua vida ao Além: -Que grande artista o mundo está perdendo

Roberto Chaim
Enviado por Roberto Chaim em 10/02/2012
Reeditado em 17/02/2012
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