O professor

Há muito tempo atrás, muito mesmo...a figura do "professor" era tida como algo respeitável, venerável e nalguns casos, temida e grotesca. Temida?!?!...Isso mesmo... E se eu vos disser, que nos meus tempos de "primário," tive um professor que se impunha pelo seu ar sinistro e pesado... Quando fazia a sua aparição diária para mais um dia de aula, a sala inteira ficava em silêncio...Não existia a cordial troca de um "bom dia".Era o diretor da escola e aparentava ter uns 50 anos de idade. Normalmente, tinha um ar desleixado e a barba por fazer, ponta de cigarro amassada no canto da boca, óculos redondos de grau e uma barriga que saltava por cima do cinto como se quisesse explodir. A sua respiração era compassada e ofegante...Ela marcava o início de mais uma sessão de tortura... Tínhamos cerca de 5 horas pela frente, nós e ele, sem recurso a saídas extemporâneas para ir no WC ou tomar água. Eram assim os começos de todas as manhãs, de 2a. a 6a. e, como se isso não bastasse, a pior parte ainda estava por vir. Quando chegava a hora do "ditado", todos já sabíamos que vinha por aí "chumbo do grosso"...Antes de iniciarmos esse exercício, o homem tirava da sua pasta velha e sebenta, algo que parecia um pedaço de madeira achado nos destroços de uma hecatombe. Quando visto mais de perto, se assemelhava a uma régua grossa e sem escala, encerada pelo seu uso contínuo...Era hora de entregar os "ditados" efetuados na véspera e já corrigidos. Começava a chamada...um por um. Fulano de tal...3 erros e duas faltas de acento...O aluno levantava-se e dirigia-se normalmente até ao estrado, onde ficava o professor, colocado estrategicamente num nível superior da sala, sentado e com o ar mais tranquilo da vida. A ponta de cigarro apagada, permanecia ainda no canto da sua boca suja...O aluno encontrava-se já perfilado à sua frente e com uma das duas mãos estendidas, prontas para o "ritual". Sem se levantar e mantendo a sua a expressão facial, o nosso professor pegava com força a mão do aluno e começava a golpeá-lo violentamente por cada erro cometido, anunciando em voz alta e para a classe, qual o castigo a que tinha "direito"...Nós assistíamos em silêncio e aguardando a nossa vez...Isso fazia parte do nosso dia a dia. O sistema estava assim orientado e essas atitudes eram consideradas como quase normais, naquele tempo. Pais, alunos e instituição celebravam uma espécie de pacto ou acordo tácito, para bem do ensino e da sociedade, que queria formar cidadãos aptos a vencer na vida a todo custo... Mas toda esta história terrível para quê?...Hoje, a figura do professor tornou-se uma coisa tão banal, banalizada e desrespeitada, que professores e alunos não conseguem mais criar, em muitos casos, uma plataforma de comunicação viável...Culpa dos professores, dos alunos, das escolas ou do "sistema de ensino" e da "sociedade" em geral? Ausência de conceito de família? Mau ambiente em casa... Como consertar, como resolver...Terá a ver, talvez, com "globalização" e fluxo anormal de dados...excesso de informação e pouca capacidade de concentração?... Provavelmente...Mas como vamos fazer, daqui em diante?...Como navegar por essas águas turvas e sem norte? Deixaremos de exercer os nossos papeis de agentes de conhecimento,progresso e humanização, em deterimento de máquinas, sistemas globais e globalizantes?...Penso que, apesar de todas as dificuldades, cabe a nós mesmos professores, essa tarefa de achar uma solução viável e eficaz...Afinal, fomos feitos para isso...para enfrentarmos dificuldades e acreditarmos na nossa matéria-prima, que são "as pessoas". Na minha modesta opinião, talvez a resolução passe por um velho conceito usado por bisavós, avós e pais quando ensinavam...assim como os velhos mestres...mesmo aqueles que batiam e castigavam, sem saber bem o que faziam... O que eu quero vos dizer, pode parecer à primeira vista uma solução ingénua e frágil... No entanto, penso tratar-se de algo que encerra em si, uma enorme possibilidade e capacidade de resolver problemas aparentemente irresolúveis, como esse...A frase com que termino, resume bem esse pensamento e talvez garanta a missão na qual fomos incumbidos:"Faça tudo o que estiver ao seu alcance...dê o seu melhor e não desista nunca".

Mongiardim Saraiva
Enviado por Mongiardim Saraiva em 10/02/2012
Reeditado em 28/09/2020
Código do texto: T3490917
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