MALUCO DE PEDRA
 
 
Aspásio  - que nada tinha a ver com o filósofo grego, nem sequer era terno e carinhoso, como a etimologia  da palavra a definia -   era muito conhecido e tido como maluco de pedra.
 
Acreditava-se, mesmo, que seu nome nem tenha sido escolha dos pais; talvez de algum amigo entusiasta da cultura grega, de um escrivão querendo acabar logo com a certidão ou, até, quem sabe, através sorteio feito nas "Páginas Amarelas", grosso volume distribuido pela Cia. Telefônica, relacionando todos os seus assinantes.
 
O fato é que lá estava em sua Certidão de Nascimento; Aspásio de tal!
Não era um nome feio, longe disso; quando muito poder-se-ia qualificá-lo como "diferente" e ele tinha consciência do fato por pesquisa feita, na qual soube que, apenas, 1000 pessoas no país eram seus xarás!
 
O que ele menos gostava era de ser chamado por um conhecido na rua e perceber que todas as outras pessoas olhavam, como se todo mundo fosse o Aspásio; isso ele não gostava, mesmo!
 
Seja por isso ou por aquilo, sua personalidade acabou por ser moldada em formas, digamos, não muito ortodoxas; era turrão, desconfiado, quase sempre mal-humorado, amoral e ensimesmado.  Cometia seguidos pecados sociais, ousava desafiar tabus, afrontar os costumes, como, por exemplo, na noite em que - depois de tomar umas e outras - subiu a ladeira de sua rua com as calças  e cuecas na mão e tocando a campainha de todas as casas!
 
Para sua sorte, tinha um irmão oficial superior do exército que ia "quebrando o galho" e ele sempre escapava, sem um simples "obrigado" ao seu aflito mano.
 
Trabalhava numa Repartição Pública; era Almoxarife. Exercia sua função com retidão, mas era avesso à disciplina, gostava de polemizar e adorava criar suas próprias regras, para desassossego do seu chefe e quando alguém dizia que era impossível conviver com ele, lá vinha a resposta dada entredentes;
 
-          O que eu gosto mesmo é de ser chato!
-            
Deixou cedo a casa dos pais e as más línguas das beatas de plantão proclamaram logo que os velhos teriam até dado uma festa, em comemoração a esse evento tão esperado.
E lá se foi o Aspásio, sobraçando uma pequena mala, na qual levava toda a sua fortuna, mas desceu a ladeira de cabeça ereta, trauteando uma melodia da época...e desta vez com as calças no lugar.
 
Sumiu! Cadê o Aspásio? Ninguém sabia, muito menos sua família!
Algum tempo depois, soube-se - através dos colegas de trabalho - que teria casado e morava de aluguel em Deodoro, distante subúrbio da Central do Brasil.
 
Levantamentos posteriores, deram conta de que continuava de gênio igual, se não, pior e que sua mulher teria que ser de outro planeta pra aguentar o tranco; que mudava constantemente de endereço e contava-se, como verídica, a estória que acompanhou sua última troca de casa, fato esse que conto agora, sem acrescentar ponto nenhum, por desnecessário.
 
Embora pagando seu aluguel rigorosamente em dia, o seu locador, português de Lisboa, pediu-lhe que desocupasse o imóvel, que seria entregue à sua filha casadoura. "Tudo bem - aquiesceu o Aspásio - quando quiser".
 
Porém, na vistoria feita pelo proprietário, ficou visível o mau estado do prédio e o "seu" António fez-lhe ver que, na forma contratual, o imóvel deveria ser entregue em condições semelhantes às anteriores; limpo e pintado.
- Sem problema, “seu” António, assim será feito!
Afirmação essa que provocou em sua mulher a costumeira perplexidade e a certeza de que alguma coisa de ruim ia acontecer!  E não deu outra!
Volta o "seu" Antonio, após algum tempo, para verificar se o combinado fora cumprido e quase teve um enfarto ao deparar com a casa!
 
Estava arrumadinha, sim, toda pintadinha, sim...mas - interna e externamente de preto! 
 
 
paulo rego
Enviado por paulo rego em 11/02/2012
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