Discursos

Ninguém pode culpá-lo se torceu o nariz apenas ao ler o título acima, afinal, o que há de mais chato do que discurso? Um monte deles, enfileirados, cada um abusando de lugares comuns, repetições ridículas de nomes, títulos e elogios vazios, talvez? Ou um discurso repetindo outro discurso que repetiu outro ainda. Que tal uma apresentação da Amway ou de vendedores de colchões milagrosos?

Sejamos justos: a culpa de tantos narizes torcidos não é dos discursos em si, mas de quem os faz. Assassina, talvez defina o ato de melhor forma.

Mas, calma, nem tudo são desertos de tristeza no reino da palavra falada. Ainda existe vida além das crônicas forçadas do Bial no BBB.

Há algo de mágico na palavra dita, compartilhada, algo de cumplicidade, de viver o mesmo momento e a mesma emoção e tanto o momento quanto a emoção serem únicos. Há um alívio no ouvir aquela pessoa dizer exatamente o que gostaríamos de espalhar para o mundo, mas não o fizemos nem fazemos. Há uma eletricidade entre quem discursa e quem ouve. E quando isso é sentido, o discurso se transforma em comunhão. Impossível comparar Hitler e Martin Luther King, mas ambos arrebatavam multidões com suas palavras.

Obama, no dia da vitória, falando com profundidade que não poderia ser posta à prova por intelectuais e uma simplicidade acessível a todos, foi extasiante.

Considerado um dos melhores discursos já feitos, de Martin Luther King, “Eu tenho um sonho”, é de arrepiar em cada frase. “Eu tenho um sonho de que um dia esta nação acordará e viverá de acordo com o verdadeiro significado de seu credo.”

Winston Churchill, em seu primeiro discurso como primeiro ministro, início da 2ª Guerra: “Nada tenho para oferecer a não ser sangue, labuta, lágrimas e suor”.

As preleções de Pe. Vieira, especialmente no “Sermão da Sexagésima”, onde ensina, justamente, a discursar, são obras de arte. Mas há um que foi escrito apenas para ser apresentado em palcos e é uma peça em si: o discurso de Marco Antonio no enterro de Júlio César, na peça do mesmo nome, de Shakespeare: a repetição de “Mas Brutus é um homem honrado”, com toda ironia, leva até o leitor a amar César e odiar Brutus.

Compartilhar discursos pode ser muito prazeroso, sim. O primeiro passo é o “discurseiro” não dizer: “Quero saudar....”.