Vinhos ruins

Sentado na primeira fila do vôo 1549, em janeiro de 2009, Ric Elias parece apenas mais outro executivo dos milhões que voam diariamente pelo mundo. E é apenas mais um deles; negócios na cabeça e no notebook, talvez uma pequena lembrança de casa, uns flashes de bons e maus momentos, preocupações deixadas para fora da porta de embarque; de especial, nada. Até pouco depois da decolagem: problemas na aeronave e o piloto tenta voltar para o aeroporto, numa daquelas tentativas em que o heroísmo beira o patético, mas em que não há outra solução. A serenidade ou o desespero, nunca se saberá, apesar das explicações dadas pelo próprio piloto, acham uma solução maluca no inverno novaiorquino: pousar nas águas geladas do Rio Hudson, torcendo para não destruir a ponte George Washington e causar sabe lá que outras desgraças. Ele pousa e o mundo acompanha o resgate ao vivo.

Aquele filme que julgamos acontecer apenas nos filmes passa em sua cabeça: viveu uma boa vida, mas, quanto tempo perdeu com as coisas desnecessárias e não aplicado com as pessoas importantes, como a mulher, os filhos os amigos; as coisas que adiou; a energia negativa que guardou.

Nos poucos minutos em que tudo acontece e que parecem séculos, tem tempo de (re)pensar sua vida, e a primeira conclusão que chega é não adiar as coisas boas – “sou um colecionador de vinhos ruins... se o vinho está no ponto e a companhia é a correta, deve ser aberto” -, a segunda: estar certo não tem importância, importante é ser feliz, a terceira – e essa veio junto com o desejo de que o avião explodisse para não se quebrar em pedaços e causar mais sofrimento ainda – era de que morrer não é assustador, mas ele não quer perder a vida, pois tem ainda um desejo: ver os filhos crescer.

Ric e todos os outros sobreviveram; ele conta como chorou na primeira apresentação escolar da filha e é um homem grato pelos dois presentes que ganhou: o milagre de não morrer naquele dia e de ver o futuro e voltar para viver uma vida diferente.