LÁ VEM O TREM!

"Correndo, correndo parece dizer:

-Tem gente com fome tem gente com fome, tem gente com fome..."

Andar de trem em São Paulo, trens de subúrbio, nos desperta o senso crítico com as visões que os diversos trajetos nos proporcionam. Visões de desperdício, pobreza, exploração, miséria...

Visões também de grandeza de uma cidade com assombrosa indústria que se desenvolveu basicamente ao longo destes trilhos centenários, da decadência vertiginosa de muitas destas indústrias que se recusaram a acompanhar o colossal desenvolvimento destas terras de Piratininga. Acompanhe esta curta viagem nos trilhos da CPTM.

Estação da Luz, trens lotados rumo a Guaianazes, Rio Grande da Serra, Jundiaí, etc... Uma multidão a se acotovelar e procurar um lugar, na base do “salve-se quem puder”, se acomodam e iniciam ou então continuam com seus íntimos solilóquios, uma multidão de solitários na sua luta incessante, gente só, de fibra de bandeirante a construir São Paulo sem nem mesmo perceber, lutando apenas pela sobrevivência..

O balanço do trem traz lembranças a muitos que fizeram o trajeto primeiro da vinda para cá, trazendo sonhos e esperanças de melhor vida, não se dando conta de que a melhor ficou lá atrás, perdida no tempo, mas, só se sabe vivendo cada um a sua experiência.

Dá pena ver, ao longo da ferrovia, o desenvolvimento também acelerado das favelas, “como traça que medra em livros feitos de pedra”, que às vistas largas ocupam os espaços e os edifícios abandonados, a parte triste de muitas outras tristezas que fazem a história desta terra. Imóveis de valor astronômico que afrontam qualquer princípio de desenvolvimento, de uso e ocupação do solo rico desta “paulicéia desvairada”!

Trens de ferro, estações de ferro, trilhos de ferro e centenas de milhares de toneladas de ferro em forma de vagões depredados, destruídos pelo tempo, pelos inconscientes e inconseqüentes usuários acéfalos e bárbaros nada doces como eram aqueles de Rita Lee, mas, também pelo descaso e ineficiência do poder constituído para administrar este patrimônio, pago pelo povo, propriedade do povo. Vagões abandonados a décadas, tomados pelo mato, pequenos bosques sobre rodas inertes, tendo como plano de fundo fábricas mortas e chaminés que a muito tempo deixaram de fumegar, apêndices de abandonados fornos e forjas, glórias do passado...

Novas composições já deslizam nestes trilhos, modernas, aclimatadas, silenciosas, confortáveis e com visíveis sinais de depredação, visão do inferno, da maldade e da ignorância de uma parcela sem educação e portanto legada à subalternidade, cancro que se multiplica geometricamente, septicemia social que carece de tratamento de choque.

A todo instante os passageiros são arrancados da introspecção e invadidos pelos gritos de toda sorte de ambulantes que proliferam nos vagões, absolutamente um flagelo e um insulto à ordem e à lei. Ora! Lei? Diversos gritando ao mesmo tempo, a cada estação entram e saem, trazendo desassossego e levando a tranqüilidade. Há quem compre, sempre vai haver quem venda. Simbiose estúpida que arregimenta exércitos de espertalhões parasitas... Sobre a égide da indiferença e da incapacidade de discernimento entre os benefícios e malefícios de tal comércio.

Cada um com seus problemas, é a forma mais fácil de ignorar e não se desgastar procurando razões e soluções que possam mudar este quadro. Cada um que carregue sua cruz. Mas, até o Cristo teve ajuda carregando a sua!

Vocação para “Simão, o Cireneu” não se encaixa no dia a dia do cidadão paulistano...

Mas, daqui da janela desta “sacolejante serpente” da CPTM até que é bonito ver a imponência do esverdeado pico do Jaraguá, com suas torres nos olhando de cima...

Paulo de Tarso
Enviado por Paulo de Tarso em 17/01/2007
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