Sou de família tradicionalmente católica com direito a um tio padre e um primo bispo. Como se não bastasse, meu pai foi criado pelo irmão padre que o colocou no seminário como seria de se esperar. Para que eu estivesse aqui escrevendo, meu pai nas férias do seminário, voltou ao interior onde uma moreninha faceira o encantou. Bastou colocar um pião na mão dela para o amor acontecer. Daí, seguiu toda uma vida.
         Foram morar junto a catedral onde forçosamente viramos um puxadinho da igreja. Era lá em casa que se faziam os lautos almoços para os famintos padres. Nas festas, o movimento aumentava, era café, suco, doces, num desfilar de guloseimas. Tudo para encher as panças sem fundo dos padres. Isso quando não traziam batinas para minha mãe remendar...Era um entrar e sair como se nossa casa fôsse pública ou se pertencêssemos à igreja. Não era de todo mal, tirando a falta de privacidade que tínhamos. Meu pai achava normal, tinha que servir a religião dele. Mas, que éramos explorados, disso não tenho dúvida. Durante a semana santa era um deus nos acuda. Padre entrava, padre saia... Devo dizer que, no entanto durante os momentos de crise familiar, seja por doença ou outra desdita, lá estavam eles a nos paparicar. Mesmo assim, acho que até hoje, guardei em mim aquela lembrança dos padres comilões que diviam conosco nossa vida e os manjares feitos por minha mãe. Talvez reste um ciúme, ou quem sabem uma inveja daquelas batinas...
            Segui minha vida. Casei com um judeu. Daí as religiões se misturaram, uma anulando a outra. No final, restou uma certeza. Deus existe e para se chegar até ele existem muitos caminhos, não necessariamente uma religião. No decorrer da vida, me deparei com várias crenças, mas mantive-me ao largo.
          Ontem, por acaso, atendendo um convite, fui parar numa casa que nada tinha de ostentação, nem templo era. Entrei com meu desconfiômetro ligado. Uma sala média abrigada os presentes. O que mais me chamou a atenção, no início, foi o silêncio. Diria que se poderia escutar cada respirar. Aos poucos fui entrando no clima de paz que alí reinava. Esqueci a desconfiança, me desarmei. Ali falava-se em caridade como alvo vital para se crescer, falava-se em reconstrução de vida, em amor ao próximo. Acredite: As horas se passaram sem que eu as sentisse. No final, restou uma vontade de continuar a escutar, de querer voltar sem que ninguém me impusesse nada. Mas, o ponto alto chegaria logo após. Fomos sendo encaminhados para uma sala à média luz e recebemos passe. Acho estranho eu dizendo isso. Leio o que escrevi, releio e me conscientizo que eu estava naquela sala sob as maõs de um desconhecido que invocava Jesus de maneira tão pura, tão simples, tão verdadeira...
        Sai dali mais leve, mais feliz e com uma vontade enorme de voltar e principalmente de por em prática o que lá escutei. Não, não vou me tornar uma religiosa, mas agora vejo que descobri um caminho mais claro para a luz.