Colégio Militar

Era o ano de 1968..., tinha acabado de perder o meu pai, oficial do exército português. Prestava provas de admissão para entrar no Colégio Militar, instituição reservada aos filhos dos militares e famosa por ter abrigado muitos nomes ilustres e veneráveis...Eu, com 10 anos de idade, pouco sabia dessas coisas. O desafio estava ali bem na minha frente, nu e cru, sem direito a escolha e sem poder perguntar o porquê de tais desígnios. Ouvia dizer que a Instituição era muito antiga e possuía as melhores condições que poderiam ser dadas a uma criança, para ser educada para a vida...Portanto, encarei essa escolha como um ato voluntário e necessário, já que seria uma oportunidade valiosa e desejável. Deram-me uma farda e recebi também uma arma, que deveria aprender a respeitar e manejar... Foi-me também atribuído um número: 110. A partir daí, deveria sempre responder por esse número, como identificação própria e com o sistema, a que passava a pertencer. Tratava-se de uma nova vida em regime de internato, dentro de um "quartel" a que chamavam de "colégio"... Os rituais eram muito parecidos com os quarteis militares de verdade, com a agravante que, desta vez, os soldados tinham a idade de crianças e eram monitorados por outras crianças, um pouco mais velhas e que eram chamadas de "graduados"... Estes, eram os alunos do último ano. Estavam autorizados e incumbidos de preservar todas as "regras" e "praxes" que o Colégio seguia, desde a sua fundação. Podiam administrar castigos e punições, quando achassem que as normas de conduta tinham sido violadas ou denegridas... Acima deles, existia um corpo formado por oficiais que administrava os interesses da Instituição, mas não tinha um papel ativo no dia a dia dos alunos. A nossa jornada começava muito cedo, com o "toque da alvorada"(de corneta) e terminava com um toque de "recolher" e depois de "silêncio". Durante as atividades, tínhamos de nos deslocar sempre em "formatura", como soldados. Formados, nos dirigíamos ao refeitório para comer... formados saíamos... íamos para as aulas...vínhamos... às vezes, íamos até em formatura para o nosso balneário, para tomarmos banho... Era bastante duro, mas uma certa "couraça" começava a se instalar em nós, ano após ano... uma espécie de "calo". Ela nos permitia driblar um pouco esse dia a dia, pesado e responsável, que tão precocemente fazia parte das nossas vidas. Muitas histórias incríveis se passaram durante esse tempo, como vocês podem imaginar... Bom, este era o lado pesado e muito difícil. O reverso desta história é que fazíamos parte integrante duma instituição de grande porte, com uma estrutura super eficiente direcionada ao ensino. Possuíamos amplo espaço para as nossas atividades... ótimos laboratórios, salas, quadras, pavilhões, ginásio, campos para diversas modalidades, equitação, esgrima, salas de lazer, piscina, cinema,etc,etc... E tudo isso assegurado pela melhor equipe de professores e metodologias. Não há dúvida que foram tempos muito duros e exigentes. Mas o pior ainda estava por vir e nós crianças não podíamos saber disso... A vida é uma coisa dura. Para todos. Aprendemos valores importantes como a "camaradagem"e a "vontade de vencer"... Hoje, muitos anos após a minha saída do Colégio Militar, sinto, apesar de tudo, uma sensação estranha de dever cumprido... associada a uma nostalgia profunda que me faz recordar amizades e sublinhar momentos incríveis que por lá passei. Reconheço muitos e preciosos valores adquiridos, que guardarei para sempre comigo... Por tudo isso, acho que valeu muito a pena... Zacatrás!!!

Mongiardim Saraiva
Enviado por Mongiardim Saraiva em 18/02/2012
Reeditado em 28/09/2020
Código do texto: T3506925
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