"AS MÁSCARAS DO CARNAVAL."

(Escrito em 2.004)

É noite de carnaval. Enquanto eu, em minha escrivanhia, planejo aulas de Língua Portuguesa, lá fora, a noite prenuncia prazeres e alegrias. Não estou triste, nem sinto solidão – apesar de estar só. Gosto do que faço, principalmente quando me ponho a escrever. Porém uma inquietação agita-me o pensamento.

Lembro-me da noite anterior, quando me misturei à multidão no carnaval da Avenida. Não foi uma noite de sorte. Confesso que me senti mais só lá, no meio da multidão, do que agora aqui no meu quarto. Mas a culpa foi minha. É que eu não estava usando uma máscara adequada à ocasião – daquelas que “mágicos artesão” primam por não deixar nenhuma feição de tristeza, ainda que o mais miserável dos seres a use (fabricadas especialmente para estas festividades). Ao contrário, fui de “cara limpa” ou seria melhor dizer: Com a “máscara” do professor preocupado em avaliar fatos e pessoas.

Estranhamente não consigo me concentrar nos planos de aula. Se eu fosse um supersticioso, acreditaria estar sob a influência de poderosas energias do carnaval. Acharia até que, o grande deus Baco teria mandado uma legião de súditos para atazanar meus pensamentos – por não me estar entregando, de corpo e alma, as suas orgíacas noites carnavalescas. Dou asas a essas mitológicas fantasias e até consigo ouvir o grande deus profano execrando-me: - Quem pensa ser este mortal? Despreza um decreto meu, fruto da minha bondade, através do qual, uma vez por ano, permite-lhes a libertação total de seus instintos e a realização de seus inconfessáveis desejos? Não percebe que isto tem um fim grandioso e nobre: propiciar ensejo para milhares de acasalamentos, garantindo assim, a preservação de sua mortal espécie? (Lembro a noite anterior: pareciam estar todos realmente no cio).

Hoje, todavia, o grande deus do vinho vai ter de me desculpar. Resolvi ficar em casa – um pouco, por causa da má sorte de ontem (até meu carro deu problema); outro pouco, porque fiquei meio encabulado com o que vi e senti naquela noite, o que me levou a um emaranhado de idéias, de teorias um tanto confusas.

A primeira teoria é a de que vivemos num mundo em que as esquisitices, o bizarro e as aberrações são muitas e fazem sucesso. A segunda teoria é de que os rituais da mais selvagem aldeia indígena, no mínimo, são bem mais naturais, senão também, mais significativos do que certos rituais do “mundo civilizado”. A última teoria (outras poderiam ser aventadas) está ligada à minha profissão, e esta me encabulou de verdade. É que percebi (na noite carnavalesca) que pessoa, as mais humildes possíveis, não têm nenhum problema de comunicação; que, além de usarem, de forma criativa, a linguagem verbal, elas se comunicam com os olhos, com as mãos... Cada poro de seus corpos são formas de comunicação. Assim, comecei a desconfiar de afirmações tais como: “o povo não sabe ler”; “tantos por cento dos brasileiros são analfabetos funcionais”. Isto pode não passar de expressões usadas por intelectuais (os doutores da academia) que se afastaram tanto do povo, a ponto de não entenderem mais a linguagem deles (povo).

Inclusive, penso que, quando esses eruditos falam ou escrevem, o fazem para impressionar a eles mesmos (ainda quando diz que o público alvo seja determinado seguimento da população), pois a vaidade humana não poupa nem os néscios nem a doutos. Acho que passei a entender melhor o que diz Pierre Bourdieu, filólogo francês, sobre gramática e gramáticos.

Depois de tantos pensamentos contraditórios para um professor de português, perdi o “fio da meada” no planejamento das minhas aulas. Só me resta dormir mais cedo, mas, antes, prometo ao grande deus Baco que na próxima noite, vou cair na folia (vou encomendar ao mágico artesão, uma máscara perfeita – para “não fazer feio”). Só espero ter mais sorte que na noite anterior, e que uma linda bacante, com seus poderes de sacerdotisa, seja minha prazerosa companhia.

Manoel de Almeida
Enviado por Manoel de Almeida em 19/02/2012
Reeditado em 13/05/2012
Código do texto: T3508002
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