Estão matando as mangueiras

“Você é roubar manga com os moleques no quintal

É manga rosa, espada, guardiã do matagal ...”

Raul Seixas

Estão matando as mangueiras. Isto mesmo, principalmente as produtoras de manga. Pois é, difícil um nordestino não ter na sua infância uma ligação transcendental com pelo menos uma árvore desta. Eu tive. Eu e todos os moleques de minha rua lá no Timbi, em Camaragibe, Pernambuco. Lá na rua do sítio. Elas foram nosso parque de diversões e nossas amas de leite. Só que nos serviam a corpulenta e deliciosa carne de seus frutos. Raramente, picolés. Dudus pra ser mais exato. Quase nunca chocolates. Eram tempos de crise e o Brasil sempre estava por ali na corda bamba. Quem socorria nossas tardes eram os pés de manga, como nós os chamávamos. E trilhar na aventura de seus galhos centenários não tem preço.

Pois bem, tem uma doença braba acabando com eles. Dizimando mesmo. O nome é o Mal-do-Recife. A doença que foi descoberta em Recife lá pela década de 30, daí a origem do nome, vem se espalhando por todo o país. O triste é ver a imagem de um vegetal destes que fora acometido. Ele simplesmente vai secando, de baixo pra cima, de cima pra baixo. Suas folhas vão murchando, se esvaindo, seus galhos desfalecendo... E fica ali, uma imagem nítida da face negra da morte.

O agente causador da seca da mangueira, como também é chamada a enfermidade, é o Ceratocystis fimbriata, um fungo que pode sobreviver no solo, ramos secos e em várias espécies vegetais e que tem como vetor um besouro ou broca, o Hypocryphalus mangiferae.

Um amigo meu que possui um sítio em Alagoa Grande – PB, falou que dos 48 pés-de-manga antes existentes na sua propriedade, a grave moléstia simplesmente acabou com todos, pasmem.

O pior de tudo é que ninguém faz nada. Nada mesmo. Alguns órgãos que poderiam fazer alguma coisa respeitam rigorosamente as hierarquias e ordens emanadas lá de Brasília. E, talvez lá não tenha tantas mangueiras assim e provavelmente também nem haja a patologia. De modo que de lá já vem os pacotinhos todos prontos dos programas que devem ser trabalhados. Um mexe só com isto, e não passa disto. O outro, só com aquilo, e não faz nada mais do que aquilo. Bebe café, lê jornal, bate o ponto e se dana.

E nossas altruísticas mangueiras vão assim se extinguindo.

Às vezes fico pensando que é normal. Que é racionalidade da mamãe natureza tentando equilibrar a quantidade destas plantas existentes no mundo. Porém me vem logo o pensamento de piedade dos pobres órfãos, como os Sanhaçus, lindos pássaros de porte médio, de cores verde ou azulada, de canto longo e estridente, que se alimentam dessas apetitosas frutas. Também, as saltitantes Saíras, os delicados Vem-vens, os coloridos Pintores e as Guriatãs, cantoras renitentes. Até eu mesmo. Sem falar que tinha um amigo meu, de nome Joab que passou um mês todinho de dieta só comendo manga. Mas aí já é outra estória.