Um velhinho muito carismático

Engraçado como às vezes os acontecimentos descem sobre nós numa enxurrada, como uma crescente bola de neve e nos leva junto feito um fantoche com braços e pernas pendidos cada um querendo ir para um lado.

Considerava-me das pessoas mais inteligentes deste mundo, pois do outro eu ainda não sei. Desempregada com contas já começando a vencer, só não arrancava os cabelos da cabeça por hora porque estes não serviriam nem mesmo para a venda nos salões de beleza.

Aprendemos desde criança que devemos respeitar e auxiliar no que for preciso as pessoas mais velhas, que devemos ser prestativos e coisa e tal. Todos nós seremos idosos um dia.

Aquele senhor da terceira idade, da melhor idade, de todas as idades e mais algumas, parecia-me um amor de pessoa, inteligente, esclarecido, com um ótimo papo que sempre prendia a minha atenção. Acho que da parte do velhinho também rolou a mesma simpatia, pois até um livro de poesias eu ganhei. Devo ter despertado nele uma afetividade paternal, dificilmente ali outra coisa despertaria, com a idade algumas coisas tendem a não se manifestar mais, mesmo assim, um verdadeiro “gentleman” aquele senhor de meia idade, ou melhor, de inteira idade. Lia com uma voracidade incrível! Por vezes cheguei a duvidar que ele realmente lesse tudo.

Conversando amigavelmente um dia, descobri que ele usava uma máquina de escrever e que ela estava travando demais durante o seu uso, contei-lhe que possuía uma “olivette” novíssima! Encostada com a compra do meu computador. Ele logo se dispôs a fazer negócio, me dispus a mostrar-lhe a máquina no dia seguinte.

Toda feliz da vida levei a máquina, ele gostou e fizemos negócio, eu via nisso a salvação do momento para as minhas contas, fiquei felicíssima! Combinamos parcelar em duas vezes e a primeira aconteceria dali há alguns dias. Perguntou-me se podia levar a máquina antes de pagar-me a primeira parcela, eu disse que sim e não havia porque não confiar nele.

Ele, um velhinho muito carismático, anotou até mesmo o número da minha conta poupança e o meu endereço, caso não pudesse aparecer, depositaria o valor. Um verdadeiro anjo de bondade. A aparência não era lá grande coisa, até roupas no avesso ele usava, mas quem se importa com isso?! De repente ele gostava de sujar os dois lados das roupas para somente depois lavá-las, cada um é econômico a seu modo. Não me preocupei com isso, afinal, melhor não julgar.

Depois que fizemos negócio, eu ainda o vi algumas vezes.

Chegado o dia de receber, o bom velhinho não apareceu, então passei no banco para sacar o dinheiro, não havia ainda sido depositado. Tudo bem, imaginei que talvez tivesse acontecido alguma coisa. Passei novamente no segundo dia no banco, nada. Terceiro dia, nada. Quarto dia, nada. Quinto dia, nada. Até hoje continuo passando no banco com a esperança de que aquele carismático velhinho deposite o meu dinheiro.

Shirley Rosa Leonardo
Enviado por Shirley Rosa Leonardo em 20/02/2012
Código do texto: T3509638
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