ALMÍSCAR SELVAGEM

Uma das coisas de que mais gosto são os perfumes. Tenho-os aos montes, de vários odores, cores e preços. Alguns eu uso com parcimônia, pelo medo de eles se acabarem, já outros são bastante acessíveis e eu me encharco com eles. Quando viajo, minhas malas vêm cheias de frascos, desde os legítimos franceses ou americanos, até os “made in China”, pois o importante é tê-los.

Talvez essa “doença” minha seja um resquício de quando eu, em 2000 a. C., fui mucama da mulher de um faraó. A desgraçada me obrigava a catar seus piolhos, pentear suas perucas, dar banho nela e até mesmo a “lavar suas partes íntimas”, usando uma aguinha cheirosa que havia sido inventada pelos “alquimistas” egípcios. O “trem” era muito bom para tirar a “nhaca” que recendia das peles melentas de suor e tostadas pelo sol inclemente daquele lugar.

Andei roubando um pouquinho dos perfumes da patroa e ela mandou me atirar aos crocodilos do rio Nilo. Mesmo depois que o meu corpo virou esterco, eu fiquei flutuando no éter e vi muita coisa: em 1330 a.C., aconteceu a primeira greve da história da humanidade. Tudo por que o faraó Seti I ficou com miséria para fornecer rações e comidas aos soldados. Em represália eles sabotaram o fornecimento de unguentos aromáticos, deixando a “nobreza” toda fedida de novo.

Quer saber como acabou? O f.d.p do Seti mandou uns puxa-sacos dele pegar os revoltosos, obrigá-los a dizer onde estavam as essências dos líquidos milagrosos e depois os mandou para fazerem companhia a mim.

No século IX, lá de cima, eu vi o Al-Kindi, um químico árabe, escrevendo uma obra chamada “Livro da Química de Perfumes e Destilados”. Ele continha centenas de receitas de óleos de fragrâncias, águas aromáticas e substitutos ou imitações para essências caras, e descrevia cento e sete métodos e receitas para a perfumaria.

Hoje sei que o que chamamos de “perfume” vem do latim per fumun ou pro fumun, e significa "através da fumaça". Isso por que, quando aplicado sobre a pele, o calor do corpo evapora o álcool rapidamente, deixando as substâncias aromáticas, que se dissipam gradualmente, durante várias horas.

Ocorre que o odor a ser exalado varia de corpo para corpo e prova disso é o que ocorreu com uma amiga minha há alguns anos. Ao perceber que seu marido passara a chegar tarde a casa (sob a justificativa de que o patrão lhe exigira fazer serão) e que quando procurado sexualmente inventava um cansaço que nunca passava; ela resolveu dar uma de Sherlock Holmes.

Investiga daqui, investiga dalí, descobriu que seu marido tinha uma amante e que essa confessara a uma colega comum, o quanto o amado enlouquecia ao sentir o aroma de seu perfume,“Almíscar Selvagem”, que na época não era facilmente encontrado em Linhares.

Para quem não conheceu nada com esse nome, eu informo que se tratava de uma espécie de óleo, do qual apenas duas gotinhas atrás das orelhas, eram suficientes para se exalar um forte odor o dia inteiro.

Mas voltemos à história. Ao invés de minha amiga armar um barraco, chutar o balde, quebrar o pau da barraca, enfiar o pé na jaca, partir para cima dos dois de porradas ou de, simplesmente, cortar os pulsos e querer morrer, sabe o que ela fez? Mandou buscar em Vitória um vidrão do referido perfume, comprou uma camisola nova e decidiu que iria confundi-lo na cama.

Na noite escolhida, após um banho gostoso, ela vestiu a roupa nova, encharcou-se de “Almíscar Selvagem” e deitou-se para esperar o amor de sua vida chegar. Deu meia noite, deu uma hora da madrugada, duas, três... Quando a porta do quarto se abriu, ele acendeu a luz, fez uma cara de horror, tapou as narinas e falou: “Puta que pariu! Que fedor, mulher!!”

Não preciso dizer que o casamento acabou de vez, né?

NORMA ASTRÉA
Enviado por NORMA ASTRÉA em 23/02/2012
Reeditado em 23/02/2023
Código do texto: T3514935
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