As flores da minha vida

Margaridas. Tínhamos em profusão no jardim de nossa casinha simples e meu pai adorava fotografar-me no meio delas, tão pequena que quase me escondia entre as touceiras. Não havia muito contraste entre o branco e o amarelo, nem das flores nem dos vestidinhos e cabelos claros, mas havia sim a curiosidade infinita da menina, olhando fixamente o miolinho que parecia feito de veludo.

Na fazenda havia os bicos-de-papagaio, vermelhos e vibrantes, que ladeavam a estrada de terra que conduzia ao fim de semana na casa dos avós; avistá-los significava que a longa viagem havia terminado, para alívio da criança ansiosa. À beira do caminho, por trás das flores, havia plantações sem fim, de café de um lado e algodão do outro - pintinhas vermelhas e brancas que coloriram minha infância...

Na adolescência, as rosas. Era com uma pontualidade mais que britânica que o namorado inundava minha casa semanalmente com dúzias delas – brancas, amarelas ou as tradicionais cor-de-rosa. Raramente havia rosas vermelhas entre os buquês delicados, uma sutileza, somente perceptível depois de muito tempo, que representava as puras intenções do rapaz. Para alívio dos pais preocupados.

Depois de algumas outras flores, foi segurando nas mãos rosinhas brancas de tecido que entrei na igreja; e, apesar do corredor e do altar estarem ricamente enfeitados com flores verdadeiras dos mais variados tipos e cores, insisti em colocar delicadas gipsófilas (os conhecidos mosquitinhos) entre as minhas rosinhas falsas, para que lhes dessem vida.

O apartamento não tinha espaços externos, mas mesmo assim, numa beirada ensolarada que conseguimos, coube uma floreira em que plantávamos petúnias multicoloridas. A saudade maior é a de, ao entardecer, ir admirar aquele canto alegremente florido, regar a terra, tirar fora as flores secas ou murchas e contabilizar os novos botões que surgiam em enorme profusão a cada dia. Época de paz, esperança e alegrias simples.

Como mais recente lembrança, à frente da casa, um ipê branco. Na imensa maioria do tempo, é apenas uma árvore muito verde, mas duas vezes por ano ela floresce de uma forma exuberante. A copa perde todas as folhas e fica coalhada de flores brancas, bela de tirar o fôlego. As flores, frágeis e delicadas, caem ao chão em sequência, o que faz parecer que existe um tapete de neve sobre a calçada em plena primavera paulistana. Mas o espetáculo todo dura apenas dois ou três dias, não mais que isso.

Não quero imaginar minhas últimas flores - talvez uma coroa com gérberas, rosas e cravos - que jamais verei murchas ou secas.... Quero só lembrar-me sempre do que as flores da minha vida me ensinaram: os dias bons chegam e alegram nossa alma, para dali a pouco serem apenas um monte de flores caídas ao chão que nos deixam saudade. Por sorte, os dias ruins também são assim, efêmeros - e, depois, melhor varrê-los, como flores mortas que já não tem mais função além do aprendizado que possam ter deixado.

A vida, tal qual as flores, tem em si uma beleza intrínseca, porém essa beleza se finda. E transcorre pontilhada de pequenas vidas dentro dela, como as plantas na natureza: seu ciclo tem início e fim, mas também recomeço, e novo fim, e novo recomeço... Eternamente, até o final de sua floração.

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Este texto faz parte do Exercício Criativo 'Flores da minha vida'

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