PRIMEIRAS TRAQUINAGENS (continuação 2)

O texto a seguir é extraído de "Crônicas da Vida Inteira", livro inédito sobre fatos de minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

PRIMEIRAS TRAQUINAGENS (continuação 2)

A casa rosa, que eu citei em texto anterior, que reproduzi em tela e em homenagem da qual teci um poema, não era nenhum PALÁCIO ROSADO, sede do governo de um país vizinho, como o leitor ou prezada leitora poderá pensar, mas pra mim, é muito importante ainda hoje, embora não pertença mais a nenhum membro da família. Está lá firme pra quem quiser vê-la, embora em outra cor, bem à beira da estrada, quase em frente à capela.

Compunha-se naquele tempo de duas partes: a sala e a cozinha.

A sala, de dez metros por nove, construída em alvenaria, ficava na frente, mais próximo à estrada, e era pintada em cor rosa. Foi de multiúso ao longo de sua história. Em época anterior às minhas lembranças, foi casa de escola durante a semana e ao mesmo tempo salão comunitário, onde se faziam as domingueiras e eram oferecidas as atrações profanas pras festas religiosas da capelinha até que fosse construído o primeiro salão da igreja, como era conhecida a pequena construção erguida já no tempo de minhas primeiras recordações, o qual cedeu lugar ao salão atual.

Por esse tempo meus pais resolveram instalar ali, na metade da casa, um comércio de secos e molhados, adquirindo também uma canoa de convés – a Boa Vista –, a fim de comerciar produtos da lavoura em Laguna, de onde trazia toda sorte de mercadorias, desde rolos de fumo em corda até cortes de tecidos, pra seu estoque. Vagas lembranças me restam desse tempo.

Não me saem, porém, da memória os sacos de camarões secos, conservados no sal, nem os tabefes de que fui vítima certa vez por causa disso. Sempre que descíamos do sertão nos fins-de-semana, volta e meia eu ia lá sorrateiro, enchia as mãos e saía me deliciando. Aconteceu, porém, que lá pelas tantas, o estoque do comércio foi vendido, mas a venda continuou ali por algum tempo, e nós, os pequenos, fomos bem avisados.

— Olhe, a venda não é mais nossa — mamãe advertiu. — Vendemo a venda. Por isso, não me mexam mais nas bala, nas bolacha, em nada mais lá nas partelera, ouviro bem?

No fim-de-semana seguinte lá estávamos nós de volta à casa rosa ou à casa de baixo, como dizíamos, e uma das minhas primas, louca pra me ver levando uns tabefes, me veio toda chorosa e aduladora:

— Ô Pedrinho, queridinho, tu vai lá pegá um punhado de camarão pra mim? Tu vai?

Bobalhão, eu peguei e fui, mas acabei surpreendido com a mão na esparrela. E logo por quem! Pela mamãe, que me tirou de lá abaixo de tapas enquanto ela, a prima, se pôs a rir com mais outra da minha desgraça. Não duvido que não tenha sido ela mesma a ir denunciar-me do crime. Ela, a tal "prima querida", decerto esqueceu o episódio. Mas eu, cada vez que a vejo, ainda sinto aquela mesma raiva daquele dia.