UMA GUERREIRA, UMA HEROÍNA DE VERDADE

Uma vez eu escrevi que a profissão que eu exerço não me dá o direito de possuir a maioria das riquezas materiais, mas, em compensação, me dá o prazer e o orgulho de contribuir para uma sociedade melhor e mais justa.

E isso se dá em pequenos ciclos que, posso dizer, não coincidem com o tempo, nem com o ritmo e muito menos com a vontade de se fazer determinada coisa dar certo. Ela dá certo porque está predestinada a dar. Ou porque o que se faz para ela dar certo acaba por levar a dar certo. É, talvez, o que chamamos de determinação ou força de vontade.

Pois bem... Em 2000, eu conheci uma jovem senhora que levava os seus três filhos para a creche de uma instituição de ensino. Moradora de uma favela, de um dos bairros mais afastados da cidade, ela encontrava, na escola, o caminho para que o futuro dos filhos fosse mudado e, também, para o complemento do seu sustento alimentar, bem como o dos filhos que precisavam do mesmo para crescerem sadios.

De quebra, ela ficava aprendendo, na própria escola, alguma arte disponibilizada pela instituição para moradoras da comunidade.

Um belo dia, ela despertou para o saber formal. Como tinha terminado o fundamental menor, aproveitou e se matriculou no fundamental maior. Assim, unia o útil ao agradável.

Foi nessa época que eu a conheci. Eu era o seu professor de História. Determinada em suas ações, ela começou a se destacar perante as turmas das salas em que estudava e ia passando de ano. Indiferente à sua idade/série, ela prosseguia, convicta de que precisava atingir os seus objetivos. Conversávamos, algumas vezes, e eu sempre a elogiava e lhe dava força e apoio para que nada pudesse impedi-la de continuar com o seu sonho. Sabia, de antemão, pelo fato de ela ser uma pessoa carente, que precisava trabalhar – para ajudar na criação dos seus filhos – e que esse detalhe, mais do que importante, talvez a impedisse de persistir naquilo que ela, até aquele ponto, era soberana em determinação.

Não foi preciso. Com o pouco que o seu esposo ganhava, ela continuou com os seus objetivos. Um belo dia ela, entrou no antigo Científico. Os filhos, nesta época, já estavam crescidos, adolescentes. Então, por um descuido, mais uma barriga. Como se costuma dizer: Deus quis assim.

Isso não a desanimou. O antojo dos três primeiros meses, segundo ela costumava dizer, não se fazia sentir e, por isso mesmo, no final, com o “bucho pela goela”, ela conseguiu passar de ano.

Ah! Esqueci-me de dizer: as notas dela eram sempre as melhores da turma e, também, da escola inteira.

Filho saído, ano letivo entrando e a guerreira chegando ao último ano do científico. Um dia, ela se achegou e me perguntou se eu poderia dar umas aulas de reforço para ela se preparar melhor para o vestibular. Eu fiz melhor: convoquei vários professores para dar suporte aos alunos que estavam terminando e nós montamos um cursinho para a comunidade escolar do bairro. Disponibilizamos o nosso tempo, aos sábados à tarde, para repassar conteúdos que ajudariam na preparação e, ao mesmo tempo, equilibrariam, um pouco, a disputa com quem estudava em escolas particulares e, até, em escolas públicas, mas que tinha condições financeiras para pagar cursinhos no centro da cidade.

Preparada, pois o seu foco estava em alcançar o objetivo traçado em seus planos, a nossa heroína fez o vestibular para Pedagogia, na UERN (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte). Passou. Porém, não satisfeita em só passar, ela conseguiu, pelos seus méritos, passar em primeiro lugar. Desta forma, tornou-se a primeira aluna da Escola Estadual Monsenhor Francisco de Sales Cavalcanti a passar no vestibular.

Quando cursava o 4º período, voltou à escola para ser professora bolsista e dar a sua contribuição pedagógica e, também, incentivar, com a sua história de vida, os colegas que ainda estavam buscando alcançar os seus primeiros objetivos.

Depois dela, outros vieram. Alguns incentivados pela própria; outros, por ouvir falar dela e, mais outros, por compreenderem que só se muda uma realidade social adversa com o estudo e, logicamente, a educação.

Na semana que passou, eu me encontrei com ela. Conversamos e ela me disse que tinha passado na seleção da Faculdade de Pedagogia e que, hoje, ela é professora-substituta da UERN, orientando 8 alunas, no estágio, da referida faculdade.

Conversamos mais e, maldosamente, eu lhe perguntei onde é que ela está morando atualmente. Ela me respondeu: na favela, professor. De lá eu não saio. Foi lá que eu me criei, foi lá que eu criei meus filhos. E é lá, ainda, que moram os meus amigos. Embora existam pessoas não tão benquistas pela sociedade; no entanto, essas pessoas me respeitam e respeitam os meus filhos.

O nome (acredito que, diferentemente do que se coloca, hoje em dia, em determinados meios midiáticos – dando adjetivos a pessoas que, nem de longe, podem ser consideradas guerreiras ou heroínas – no caso especifico, eu acho que esses adjetivos são, no mínimo, apropriados para o contexto) desta guerreira e heroína? O nome dela é Vandi. Simplesmente Vandi. Querem conhecê-la? É só irem à UERN, na Faculdade de Pedagogia. Todo mundo a conhece por lá.







 
Raimundo Antonio de Souza Lopes
Enviado por Raimundo Antonio de Souza Lopes em 26/02/2012
Reeditado em 19/04/2019
Código do texto: T3521207
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