A JARARACA

O texto a seguir foi extraído de “Crônicas da Vida Inteira”, livro inédito sobre fatos da minha vida, adaptado para o Recanto das Letras.

A JARARACA

Dizem que cada pessoa ou grupo tem seu animal de estimação, seu mascote, como se diz, ao qual atribui o poder de trazer sorte. Os deuses do Olimpo, na Grécia antiga, já os tinham. Minerva, a deusa da sabedoria e da guerra, por exemplo, era representada pela coruja, que por isso ainda hoje é o símbolo da sabedoria.

Ainda hoje a moda persiste. Os clubes de futebol e seus torcedores prestam honras a seus mascotes e não entram em campo sem eles. O Flamengo, do Rio, tem o urubu, do Palmeiras, em São Paulo, é o porco, do Criciúma é o tigre e por aí vai.

Eu particularmente não tenho estimação especial por nenhum deles. Não é que não dê valor à vida dos animais. Acho alguns muito bonitos, elegantes, outros são mimosos, outros ainda, engraçadinhos. Como dizem os entendidos, todos fazem parte da biodiversidade do nosso Planeta.

O que eu tenho é aversão a alguns. Não sei por qual motivo, além do Negro da Manta, eu peguei um medo danado de cobras e de aranhas. Ainda hoje, se eu vejo um desses bichos, mesmo que seja pequeno, eu faço volta por longe. Mas parece que os bichos percebem esse medo na gente. Dizem que é devido à serotonina, o tal hormônio do medo, que o medroso expele e que é sentido pelo animal.

Pois num domingo, eu estava meio adoentado, e por isso mamãe me dispensou de ir às rezas na capela. Fazia frio e eu, sozinho em casa, me aquentava sentado à boca do fogão, ao lado da pilha de lenha ao canto da cozinha. De repente, me chamou a atenção algo se mexendo no assoalho a pouco mais de um metro dos meus pés. No que eu olho pro chão, arrepiei-me todo ao reconhecer que era uma cobra.

Não tinha mais que quarenta centímetros. Mas chegou. E a cobra veio vindo devagarzinho, encurralando-me cada vez mais. Se eu movesse as pernas, ela perceberia minha presença. O que fazer? Sobre a chapa do fogão, bem ao alcance de minhas mãos, a chaleira de ferro chiava cheia d’água quase fervendo. Num movimento rápido, que só no medo se consegue, ergui as pernas, peguei a chaleira e despejei água fervendo sobre a cobrinha, que embolou cozidinha na hora. Eu não quis nem saber se era venenosa ou não.

Quando mamãe chegou da igreja, eu já havia enchido a chaleira novamente, e ela ralhou comigo ao verificar que a água estava quase fria. Mas depois que eu lhe contei o motivo e mostrei a cobrinha morta, ela se admirou da minha presença de espírito.

— Ô rapaz, é uma jararaca-do-rabo-branco!

— É venenosa, mãe?

— Oh, se é! Dize que é a jararaca mais venenosa. Deve tê vindo dentro de argum pau de lenha oco — supôs, olhando pra pilha de lenha.