São Paulo do lado de cima

Fazia muitos anos que eu não viajava de avião. Confesso que não me sinto bem naquela altura toda, a surdez momentânea e abrupta me provoca calafrios e muuuuuuito mal-estar.

Mas fomos passar o último carnaval em São Paulo. O objetivo estava muito longe de sambar. Carnaval nunca foi o meu apelo e nem do meu marido. Detesto multidão, barulho. Sou mesmo contemplativa, adoro falar baixo, meditar, cheia de introspecção e assim vivo legal.

Mas voamos até São Paulo. Dia de sol, calor suportável. O esplendor em sobrevoar uma cidade daquela dimensão tão gigantesca me provocou reflexões diversas. Lá embaixo, milhões de trabalhadores, operários, professores, estudantes, escritores, artistas,garis, desempregados, moradores de rua, cidadãos comuns.

De cima, eu observava mansamente aquela inquietante mistura de cores, sonhos, sentimentos e buscas. E as outras sensações que estariam ocorrendo também: angústia, medo, desamparo . Tudo junto tecendo o perfil de uma cidade-coração que pulsa freneticamente. Essa pulsação faz o sangue do trabalho e das artes irrigar todos os lados desse país, respinga pelo mundo, prometendo alguma vida e sempre mais.

Lá de cima, no silêncio das buzinas e protegida da fumaça, eu pensava nas dimensões da vida: como tudo é pequeno diante da imensidão sob o céu! Pensava: por que será que lá embaixo se briga tato? As intrigas, o arrastar de tapetes, a violência psicológica e física, o destempero... tudo é tão pequeno e fugaz...

Lá do alto foi bom olhar as nuvens . Eu até imaginava alguns anjos ali sentadinhos com as perninhas balançando, outros deitadinhos de barriga prá baixo apoiando as mãos nas gordas bochechas naquela geografia de algodão doce, olhando pro chão e pensando; “o que eles estão fazendo? Por que tanta gente brava, brigando,gesticulando e falando alto na tentativa de se impor? Prá que? Olha só aquele ali matando por causa de um par de tênis da Nike... Caramba, que coisa doida! Eta povinho estranho o de lá de baixo...”

Diante da infinitude, São Paulo ficou muito pequena. Eu conseguia ver os carros e ônibus silenciosos, pessoas-formigas a caminho. De que mesmo? Não sei. Problemas, prá quê?

Descobri que o bom mesmo é viver em plenitude, mansamente. Procurando caminhos de fraternidade e amizade intensa, melodiosa e pura. Bom mesmo é viver pensando que todas as angústias, raivas e frustrações são passageiras e absurdas. É a gente mesmo que inventa os problemas. Lá encima tem muito espaço azul enfeitado de toda a delícia do algodão doce. Para todos.

A cidade ficou pequena diante da grandeza do eterno.

E todo o resto era silêncio.

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 29/02/2012
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