O perfume das flores contam histórias

Quando recebi o meu primeiro salário, comprei uma braçada de flores. Eram para a minha mãe. Voltei feliz para casa, de ônibus, no meu saudoso bairro do Cambuci.

Eu desejava ardentemente ter um trabalho . Que sonho bom! Mas e o medo de não saber fazer nada? Não saber falar, me relacionar? Era um medo real que me atormentava, me tirava o sono. Enfrentei E nem sei como.

Todos os tempos levam a sonhos, risos, desejos, interrogações, medos e fantasias. Pequena ainda eu pensava verdadeiramente em ter uma identidade, uma luz própria. Eu pensava que, um dia, poderia ter o privilégio de ensinar alguma coisa a alguém ao longo da vida. E eu amava visceralmente aprender mais do que tudo. Eu aproveitava para ouvir os mais velhos com ternura e profundo encantamento, não perdendo uma palavra, um gesto, um olhar significativo, um detalhe por mais ínfimo que fosse. Percebia nos seus semblantes um sábio entendimento da vida. Eles contavam sobre umas tantas transformações nas suas andanças, suas vitórias e o seu sofrer. Eu não via mágoa. Via história tal como um edifício ricamente construído com a mais importante matéria-prima de todos os tempos: a esperança.

E eu observava tudo calada. Deixava que a minha alma se inundasse pelas riquíssimas exposições verbais dos mais vividos, me deslumbrava com o colorido das montanhas, pela grandiosidade da serra do mar, pelos caminhos que nos levavam ao interior, pela exuberância de um pessegueiro e flor ou mesmo de um grandioso pé de manga rosa. Vivia intensamente toda a delícia de saborear uma cocada no cais do porto e pelo balançar das ondas nas praias de Santos. Sim, eu não conhecia ainda o mar catarinense, macio, incrivelmente azul e encantador. Eu sonhava aprender e amar todos os pedaços do mundo, todas as vivências. E evoluir. Eu queria evoluir sempre e com uma certa pressa.

Por ironia, por mais de uma década lecionei num pré-vestibular com esse nome: Evoluir. Fui feliz ali. Estava em casa: ensinando alguma coisa ... e evoluindo.

A cada conquista, um novo curso, um novo emprego , o curso de Inglês no Fisk, outros cursos mais tarde... tudo me fascinava de forma tão absoluta que eu demorava muito a dormir, de olhos arregalados no escuro, pensando em como era bom viver e caminhar. Planejava ter o meu apartamento , tirar carta com o meu próprio dinheiro, pagar as contas da casa... autonomia e evolução eram sinais de uma magia espetacular, indizível.

Mas hoje eu tenho medo do que o jovem sonha.

Com o que será que o jovem sonha?

Trabalhei décadas com eles e eles não me contaram. Economizam nesse tipo de energia. Isso me entristece severamente. Se sonham, não me contaram. Por que?

Olho prá ele e não o vejo brilhando .

Só o vejo com o fone de ouvido na sua alienação frente o mundo, vasto mundo, e os contatos virtuais.

Onde o abraço? Venha à minha casa? Tem disso não: é tudo on line, bem.

Correm piadas que menosprezam o corpo.

Rebaixam o diferente.

Menosprezam quem ensina. Já vi até alunos bolsistas em colégio de elite menosprezando professor... e os tais se acham com razão.

Para eles, só o silêncio e nada mais. Que um dia aprendam o que é vergonha na cara!

Acham normalíssima a mercantilização do corpo e os comentários debochados.

Para Drummond, o corpo era a verdade tão final...

Acham os mais velhos tão “sei lá”.

A Literatura tão “nada a ver”.

A História: “prá quê? Já passou...”

Procuro nos jovens uma justificativa para cantarem “ai ai. Assim você me mata” e se abanam seguindo o cantor na mesma hora. Deve ser coisa do aquecimento global. Por isso eles se abanam.

Ficou difícil assim.

Mas eu levava as flores para a minha mãe. Rosas vermelhas, botões exalando uma vontade enorme de se mostrar felizes e receptivos, assinalando o começo de uma longa trajetória. Caminho de sonhos, muitas dores nas pernas . Outras vezes, as corridas da polícia na época da ditadura buscando um país à procura de liberdade. Vieram as frustrações e os encantos. Veio a pintura em tela na tentativa de deixar que as cores explodissem com a força dos meus pinceis. Veio a argila para a escultura de motivos femininos e também familiares, com a doçura dos abraços. Vieram as agulhas de acupuntura para que as pessoas se equilibrassem e vivessem melhor.

E como me encantei pela vida! E também o quanto perdi!

Vera Moratta
Enviado por Vera Moratta em 01/03/2012
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