De Sol a Sol.

Lá fora a situação, desalentadora, faz uma mãe chorar silenciosamente ao embalar a filha de sete dias no colo, após amamentá-la, esperando o arroto... Olha as coisas do lar, a miséria que a circunda e clama a Deus para que tudo se ajeite, sem que precise roubar... Quando era criança sonhava ajudar as pessoas quando crescesse. Agora, porém, mal consegue ajudar a si e a filha...

O sol, muito quente, torra e amolece os trabalhadores; cá dentro, dentro do Brasil, o governo, desdenhoso, quase que sarcástico, ri da cara do povo, sabendo que este é desnutrido e de pouco cultura, inapto para qualquer insurgência imediata e hábil. Já o povo, pobre diabo massacrado desde que o mundo é mundo, assiste a programação televisiva em cima do muro, acreditando que o dia seguinte será melhor, que haverá em algum tempo uma outra realidade, uma solução, um outro mundo ou algum santo brotado de algum bueiro predisposto a acalentar e enxugar este oceano de lágrimas coaguladas.

Mas nem tudo está perdido, há o carnaval e o décimo terceiro salário no fim do ano, isso para os registrados... Para aquele que acabou de completar dezoito anos o que resta é a fila do desemprego, o alistamento militar, o voto obrigatório e a maioridade penal. Provavelmente, do jeito que a coisa anda, acabará na cadeia, pois lá a comida é mais abundante que aqui fora.

A coisa ta feia, reclama o segurança de um bingo para o vendedor de bilhetes de loteria. E este responde: feia é bonito perto do que estou passando... Minha mãe está com câncer... Moro sozinho com ela... Ela está lá, sozinha, sem sequer conseguir se erguer da cama... Tenho que sair cedo de casa e só volto à noite... E o segurança ainda pergunta, curioso, olhando uma boazuda atravessar a rua: mas, e aí? O bilheteiro responde, meio rouco: ela fica lá, na cama, sugando seu ultimo resquício de vida... E arremata: olha, Godofredo, às vezes sinto vontade de me matar, mas antes quero fazer um estrago na Câmara dos Deputados... Godofredo dá um suspiro, acende um cigarro e diz: que isso, meu amigo, não faça besteira, ninguém ta nem aí com gente não, irmão...

SAvok OnAitsirk, 02.03.12.

Cristiano Covas
Enviado por Cristiano Covas em 02/03/2012
Reeditado em 02/03/2012
Código do texto: T3531400
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