FILHO

Hoje acordei com uma vontade louca de ter um filho, talvez dois no máximo, uma vontade enorme, principalmente hoje, porque ao acordar, o ar pesado e denso do meu quarto, dizia-me, - onde está o seu complemento? Eu sem entender, disse: -o meu amor é existente, por tanto sou completo.

O ar decidido, fala rispidamente: –mas onde está o complemento desse amor?

-Ah o filho, sim ok.

Bateu-me uma angustia, uma melancolia, porque realmente, apesar de querer muito, evito pensar um pouco sobre o assunto.

Mas agora ele está ai, sendo-me cobrado e lembrado, portanto de certa forma vivencio essa possibilidade, como?

Com os devaneios de um pseudoprogenitor, que vê um menino, seu menino...

E imagina: o bichinho chora, caga, dorme, caga, ri, caga, mama, caga, dorme mais dezoito horas e ai caga outra vez, cheguei a pensar ate que a função primordial de uma criança era a de fazer cocô, mas vi que não é essa não, pois tem outras com mais importância que essa, como te fazer ficar como um bobo por causa do primeiro espirro, da primeira palavra, se essa for papai então, putz! O babão vai a lua e volta.

Tem também uma outra função, a de tomar somente cem por cento do tempo de sua gatinha, creio sinceramente que eles fazem isso só de sacanagem, e com total consciência.

Enquanto isso o mundo gira, e o moleque cresce, e eu continuo babando e reclamando em silêncio de ter que dividir minha gatinha com ele, mas...

Como toda família, criamos modos, hábitos e costumes e o que mais me agrada nisso tudo é de ter conseguido lhe dar prazer com a leitura.

Ponho o Ricardinho no meu colo, faço um cafuné, saco do meu coldre uma revistinha do Chico Bento, que tanto me deu prazer, e nos pomos a saboreá-la, morremos de rir com aquelas bobeirinhas, e o hábito vai se fixando e se ligando ao prazer de ter o pai ao lado.

O vento sopra tão forte, que faz o mundo dar mais uma volta, o rapaz cresce, sua bagagem é incalculável, pois cresceu com os prazeres de Jorge Amado, Zélia Gatai, João Ubaldo, Machado de Assis, Clarisse Lispector, Fernando Sabino, Vinícius de Moraes, Raquel de queiros, Carlos Eduardo Novaes, Luis Fernando Veríssimo, Manoel Bandeira, Carlos Drumonnd de Andrade, entre tantos outros e como não poderia deixar de ser, Maurício de Souza com seu Chico Bento.

E então gira, gira, gira mais um pouco, até que a implacável brisa propicia o ultimo giro para mim, quanto ao Ricardo, seu dia também chegará, mas enquanto esse momento não vem, ele fala com a mãe: -mãe, como fomos felizes! –sim, responde ela, fomos uma família feliz e completa, exatamente como havia sugerido, e de certa forma previsto, aquele ar denso e pesado que um dia acordou o seu pai!

Sérgio Souza
Enviado por Sérgio Souza em 20/01/2007
Código do texto: T353228
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