UM LADRÃO ASSUSTADO

A noite descia célere, escorregando pelas encostas, engolindo o sol que tristemente morria por trás das colinas. A estrada poeirenta, sulcada pelo rodado dos poucos carros e carroças que por ali trafegavam, era contornada por uma renda verde de capim que passava rasteira por debaixo da cerca de arame farpado e ia brincar com as pernas dos muares e bovinos que ainda teimavam na pastagem.

O trote apressado mostrava a angustia do viajante em querer chegar logo ao destino.

Sem apear abriu a porteira, e mais perto do rancho bateu palmas e gritou:

- Oh de casa!

O rancho de barro batido e coberto de palha, sombreado e amparado por dois coqueiros retorcidos pelo vento, era o único que reinava pelas cercanias, e por esta razão sempre tinha um viandante que cansado ou com fome pedia um abrigo.

A porta se abre gemendo, se arrastando pelo chão batido. De pé, com a mão no batente da porta, como se quisesse escorá-la, uma senhora gorda, grisalha, com outra mão no sobrolho em proteção do sol, olha demoradamente o cavalheiro que chega, e diz:

- Vamos entrando seu moço!

Ele apeou, livrou o eqüídeo dos arreios e soltou-o no pasto contiguo. Pegou o arreamento e sua espingarda e adentrou a choupana.

- Aqui não precisa desta coisa não, meu senhor, diz um velho sentado a um canto.

- Esta é a minha proteção, respondeu de pronto o viajante. Olhou a espingarda demoradamente, deslizou cuidadosamente sua mão em carinho pela coronha e a fez descansar encostada na parede.

O jantar transcorreu-se num religioso silêncio. Ouvia-se o raspar das colheres mendigando comida no fundo das gamelas. O lampião fumegante iluminava parcamente o ambiente. O fogo no fogão de taipa crepitava cansado.

Lá fora a noite era clara e quente. A lua brincava com as estrelas na imensidão distante. Uma coruja piou agourenta num pau seco lá mais adiante.

O velho abraçou sua viola e sentou-se num toco do lado de fora. Olhou demoradamente a lua, cismou com alguma coisa e num dedilhar suave cantou canções tristes e saudosas.

O cavalheiro ao pé da porta ouviu alheio algumas canções e sem fazer qualquer comentário pegou a lamparina e se recolheu no quarto preparado para ele.

Pelas frinchas das paredes o luar iluminava mais que a própria lamparina e por isto resolveu apagá-la. Pelo tamanho das fendas a janela parecia uma grade.

Em cima do catre tinha um colchão de palha que cuidadosamente foi remexido.

Colocou a espingarda do lado da cama e estendeu seu esqueleto cuidadosamente por cima do colchão.

A coruja já não piava mais, apenas alguns cachorros vadios uivavam em serenata para a lua.

De olhos fechados rendia-se ao sono quando de repente um barulho estranho fez se ouvir. Abriu os olhos e ficou atento.

Um vulto do lado de fora, iluminado pelo luar, tentava abrir a janela.

Esfregou os olhos para ficar certo de que não estava sonhando e, vagarosamente sentou-se na cama pegou a espingarda e aguardou o desfecho.

Pelo processo insistente o viajante entendeu que o vadio queria mesmo concluir a operação e invadir, sabe lá deus por qual razão o quarto dele.

Revestiu-se de raiva, mas com muita cautela preparou a sua arma. Posicionou-a a um palmo da cabeça do intruso. Queria apenas dar um belo susto no ordinário. A alça da mira passava pela fenda e o miserável nem percebeu.

Ouviu-se primeiro um cleck e em seguida ao forte clarão a carga de pólvora deflagrada originou um tremendo disparo.

O estrondo ecoou por todos os lados. O uivar dos cachorros assustados dava o toque final da confusão. A coruja sonolenta voou. A lua que calmamente descansava rapidamente se escondeu por entre nuvens. Enquanto a fumaça se dissipava no quarto o viajante viu duas figuras de olhos arregalados, assustados na porta de seu quarto. Gaguejando o casal de velhos pergunta:

- O que aconteceu?

- Meu anjo protetor vomitou chumbo num invasor filho de uma puta.

O casal de velhos não quis acreditar imaginando que o viajante acometido por sonambulismo tenha atirado a esmo.

Logo de manhã, num trote acelerado lá na curva da estrada desaparecia o viajante que ainda se deu ao trabalho de erguer a mão num adeus agradecido, e na cerca de arame farpado, logo adiante, via-se enroscado um pedaço de roupa, provavelmente da calça e um pedaço de carne, provavelmente da perna de algum apressado.

Mario dos Santos Lima
Enviado por Mario dos Santos Lima em 05/03/2012
Código do texto: T3536200
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