Amizade

Chegou um cara novo no pedaço. Um loiro de olhos azuis e uma aparência, no geral, fofa, bem “cuti-cuti”. Como todo forasteiro entrando em um bar pela primeira vez, nesses filmes de cowboy, ele vai direto ao balcão e pede uma bebida. Leite, claro, ao invés de whiskey.

O novato avalia todo mundo e todo mundo olha desconfiado para ele. Nem sempre é fácil se impor e ser aceito como parte do grupo. E o desafio só é maior para os tímidos – mesmo em casos como este, no qual os personagens são donos de um espírito sem limites, guiados por uma distinção pouco óbvia entre o certo e o errado. Sim, estou falando das famosas crianças entre 0 e 5 anos.

Cada passo em direção ao desconhecido causa um frio na barriga como se logo adiante houvesse um abismo. Mas ele vai, devagar mas vai, se infiltrando. Vê um grupo de meninos correndo juntos, duas garotas dentro de uma casinha, um bebêzinho rindo de um chocalho. Observando os brinquedos a sua volta, não está claro se estes têm donos específicos ou são comunitários. Entenda que Sammy, nosso protagonista, tem 1 ano e meio e só conhece o contexto em que tudo lhe pertence ou é de uso exclusivo para uma classe de gente que ele define como “adultos”, aqueles gigantes que podem tudo, até mesmo segurar o controle remoto ou pôr-lhe de castigo.

Então, Sammy vê uma menina sozinha brincando com um fogão rosa. Ele pensa que será bem-vindo, já que ela canta e conversa com uma amiga imaginária enquanto prepara comidas invisíveis. Mas assim que se aproxima, a cozinheira o fuzila com os olhos. “Sai daqui”, exige repetidamente. Nosso herói, surpreso, paralisa. “Vai embora!”, ela repete, e o belisca no braço.

Sammy faz cara de dor e se afasta. Encontra um carrinho abandonado e decide que é mais seguro dirigir por aí, sem destino. Acelerando, freando, fazendo curvas perigosas, buzinando pela estrada que apenas seus olhos veem, aos poucos, ele se acostuma com aquele lugar esquisito. A todo tempo, evita se esbarrar com a cozinheira. Sammy já notou que ela é meio extremista, mimada como quem tem um rei na barriga. Afinal, depois dele, ela gritou até com os gigantes adultos e fez três crianças chorarem, arrancando brinquedos de suas mãos.

Nessa hora, nosso protagonista sente um vazio no estômago, dirige até o balcão e fala tímido uma das poucas palavras que ele sabe. “Cookie!” Prestes a dar a primeira mordida, flagra um novo gigante entrando no salão com uma menina. Essa, de cabelos escuros e mais ou menos da sua altura, está agarrada às pernas do adulto e também parece insegura. Quando seus olhos se cruzam, Sammy hesita, mas sorri, e a garota sorri de volta. Achando que aquele era um terreno amigável, ele se aproxima e oferece um dos seus biscoitos à nova visitante.

Os dois ficam ali em uma interação muda, mas com risadas. Passam um para o outro os brinquedos que encontram e parecem saber exatamente o que o outro está pensando. Quando começa a tocar uma música, dançam e os outros seguem no embalo. Balançam para lá e para cá os traseiros inflados por suas fraldas. Vez por outra, perdem o equilíbrio, caem, levantam. Quando a cozinheira, extremista, mimada percebe a festa, corre, empurra dois meninos e começa a dançar no centro da roda. No entanto, Sammy já não acha tão desafiador estar perto da garota chata e de todos aqueles desconhecidos. Afinal, entre os estranhos, ele encontrou uma companheira e soube instintivamente que amizades tornam a vida mais fácil.