Tropicama.

O inverno tropical soprava baforadas raras e quentes na cabeleira escura da mocinha. Quando lhe batiam aquelas lufadas mornas, disparava a abanar-se com o que viesse à mão que não as próprias palmas úmidas.

Não conseguia concentrar-se em seus estudos como queria; em alguns momentos engatava uma leitura compreensiva que, logo, era desfeita por uma gota sudorífica a lhe escorrer o pescoço e bombardear as páginas finas de quando em quando – inferno!

Persistiu em suas tentativas tempo espichado ainda. Depois, porém, cansou-se de vez de virar aquelas páginas borradas e fedidas. Incomodava-lhe o próprio cheiro. Abriu por completo a janela.

Dali mesmo, sentada naquela cadeira que lhe maltratava as nádegas, principiou a espiar a rua. Nada novo. As mesmas pessoas que por ali perambulavam a todo o tempo, de pequenina e prefixada de santidade que fora malograda e batizada a cidade – todas aquelas mesmas caras-feias.

Não notara a menina nenhuma diminuição no calor que a castigava. Percebera, porém, os ruídos descontrolados que se esparramavam pela rua abaixo. É interessante como nós só somos capazes de ouvir algumas coisas quando as vemos.

Certamente menos interessante que irritante isto era para a mocinha, pensamos. Fixou os olhos numa obra ali bem próxima e passou a ouvi-la. Ah! Como a irritava aquela bateção, aqueles barulhos secos e ardidos – uh! Será que não percebiam que a incomodavam? Quem seria o culpado por aquela balbúrdia?

Iniciou, a mocinha, uma caçada, com seus olhos incriminadores, ao culpado. Iria mandar prendê-lo, ou, ao menos, denunciá-lo – por certo.

Esmiuçando aquelas paredes a meio-prumo encontrou um homem de barba baixa e uma densa camisa escura. Martelava, batia, serrava, jogava. Tudo num estrondo desmedido – infeliz!

A mocinha, indignada, acenava pela janela ao homem para que parasse. Ele não a olhava e tão menos a via. Por que não a via? Começaram a crescer na mocinha impulsos raivosos – mira-me, desgraçado!

Começou a dobrar seus joelhos por sobre a cadeira. Queria pular dali e resolver tudo no grito. Havia pensando, apenas alguns instantes antes, em resolver tudo na pancada, mas lembrara-se que faltavam-lhe forças para tal. Os olhos flamejavam quando o martelador incriminado tirou a camisa, à fim de amenizar a quentura que o fizera molhá-la.

– Olha-me!

Um corpo meia cor, habituado àquele gesto de desnudar-se o peito, de formas bem feitas e cheias das saúdes do trabalho, revelou-se e as chamas abaixaram-se nas vistas.

O barulho começou a sair do ouvido da mocinha enquanto entravam, aos olhos, aqueles braços morenos, castigados pelo sol e bem tratados pela serra: reque-reque-reque, um barulho cada vez mais surdo aos ouvidos dela.

A calça do homem, que agora ela reparava, agarrava-se, ensopada, às pernas firmes, grossas, eretas – ai!

Não se ouvia nada mais, na cabeça da mocinha, além de seus próprios pensamentos. Pensava, imaginava, desejava, apenas, ali dentro.

Queria que o homem cessasse aquele reque-reque. Queria que ele descansasse os braços, ou queria que aquele par de peças esculpidas, preso àquelas costas largas e douradas, carregassem-na para longe – para o alto mais alto que o alto daquele sobrado cheio de vivente inocência.

O suor da mocinha escorria mais e mais. Lá de baixo, daqueles braços de serrote, escorriam-lhe pelo corpo as mãos do homem. As mãos dela mesma escorriam-lhe em seu próprio corpo como que no dele.

Travava batalha sangrenta, fatigante, com a calça: ora ela agarrava-se àquelas pernas, ora a calça agarrava-as, e as duas acabavam por agarrar-se uma à outra sem desejo entre si.

Reque-reque-reque. Começou o homem a balançar o corpo, num movimento de serrar, e a mocinha começara já a sentir-lhe o peso do corpo.

A respiração grave que provinha do corpo grande do homem esquentava-lhe uma das orelhas e o calor aumentava prazerosamente – ai!

Como se, paradoxalmente, dentro dum caldeirão começassem a lhe subir calafrios, a mocinha começou a contorcer-se em pequenos espasmos que se acumulavam e se sucediam freneticamente – ai!

Os dedos, de movimentos velozes, travaram tão repentina quanto rapidamente. Uma exaustão correu-lhe o corpo após todos os seus nervos retraírem-se violentamente. Estava encharcada.

Percebera, enquanto relaxava os músculos e extasiava a alma, que estava de olhos fechados. Estivera assim longo tempo sem notar. O homem deixara seu posto e ela corou ligeiramente as bochechas ao lembrar-se dos momentos recentes. Lembrou-se do calor e tornou a abanar-se. Voltou às páginas borradas tão feliz, tão apaixonada e, ainda, tão fisicamente pura.

Vinicius de Andrade
Enviado por Vinicius de Andrade em 10/03/2012
Reeditado em 10/03/2012
Código do texto: T3546249
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