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A Velha Casa
 
 
       
         Ali está o que restou. Quando passo e vejo aqueles resquícios, meus olhos marejam e a emoção incontida toma conta de mim.
        Era toda azul. Hoje demolida, suas paredes da frente ainda persistem em viver desbotadas pelo tempo, abrigando uma só janela antiga pintada de branco sem nenhuma alteração. Da rua, vê-se o velho quintal logo atrás, hoje sem uma flor sequer, somente um chão vazio de terra e pedras, sem alma, sem habitação.
        Em sua frente, nova igreja despontada no lugar da alva e velha Matriz, onde muitas vezes ajoelhamos em prece à Virgem Maria. Emerge então da mente, o casamento, os batizados, as procissões e as festas religiosas.
        Caminhando em pensamento qual um filme com luzes e cores, vejo a varanda, quase toda a casa revestida de ladrilhos geométricos, cadeiras espreguiçadeiras e aquela moça ingênua, esperançosa aguardando o amado chegar ou à espera de alguém que ainda ansiava conhecer - vasculho todos os beijos escondidos próximo ao portão. Ali, quase sempre ali, naquele recinto, muitas alegrias brotaram, muitas lágrimas rolaram e era o palco das reflexões nas horas silenciosas e de solidão.
        Adentro, aposentos de grande altura à moda antiga, fazem renascer mais forte, a saudade inevitável: ainda sinto o calor do fogão de lenha aferventando o feijão cheiroso; o soar dos passos sobre os pisos dos quartos, de madeira encerada; a branca banheira, onde meu corpo se deliciava com os banhos mornos por longos minutos inundada de espumas; a chuva batendo nas vidraças enquanto eu dormia. E o mais emocionante: a voz da minha mãe cantando as músicas da época em tom alegre e afinado, assim como o carinho da minha querida avó.
        Lembro ainda, do apito do trem – “Maria Fumaça” – anunciando chegadas e partidas de entes queridos, fazendo trepidar a velha casa, pois transitava bem nos fundos.
        E o jardim? Ficou gravado no âmago do meu ser, pois abrigava lindas rosas vermelhas, canteiros que eu alagava com a longa mangueira d’água para sorver o perfume da terra molhada!
        Ah! Meu cachorro “Top”, branco e marrom, correndo por ele; minhas mangueiras, abacateiro, cajueiro e goiabeiras, sob os quais eu me refugiava em busca de silêncio para escutar o canto das cigarras ao entardecer e nas horas de traquinagem!
        Não deixo de relembrar as fugas assustadoras pelo quintal, da amiga Lica, quando eu a persseguia correndo-lhe atrás com uma taquara coberta de lagartas de laranjeira, seguindo-se de gargalhadas – depois, o carinho e o perdão.
        Ah! Velha Casa! Você tinha alma, cor, perfume, algumas dores salpicadas de aconchego e amor; alegrias, pontilhadas de emoção, cravadas para sempre no coração! E... como sempre ainda se diz, eu era feliz e não sabia!


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