NÃO É PROPRIAMENTE A POESIA QUE IMPORTA

O poeta é um fingidor. Diz poeticamente fingir que é dor suas agruras, suas mágoas verdadeiras.No século XIX, e ainda por algumas décadas do que se seguiu, poeta que se prezasse tinha que morrer de pelo menos uma de duas “doenças”: de tuberculose ou de amor; e melhor se fosse das duas. Por ignorância nesse terreno da literatura tenho minhas preferência bem restritas em Vinicius de Moraes, Federico Garcia Lorca, Mario Quintana, Fernando Pessoa...e já me faltam nomes. Quase esqueço de Ruppert Brooke! E Vinicius de Moraes, que escreveu prosa da melhor qualidade (“Para Viver Um Grande Amor”, por exemplo), também escreveu uma coisa horrorosa chamada “Hino da UNE”, acredite. Penso que escrever poesia não é fazer como fazem os escritores de prosa; e que não é só pela forma estética, nem só pelo conteúdo. Mas, as vezes, é, principalmente, pelo que não está escrito. O poeta escreve com tal ermetísmo e subjetivismos escondidos em rimas que parecem não existir, mas que estão lá, que não consigo entendê-los como gostaria. Penso que é essa a mais complexa forma de literatura; a mais difícil. Eu, para sentir todo o sabor contido num poema, seja ele doce ou amargo, tenho de percorre-lo varias vezes, com bons interva-los de reflexão. Quando então sinto o gosto e gosto. Admiro quem consome poesia com gula sagrada e quem a produz como um alquimista de letras; ambos se entendem num pacto secreto.Há poetas que escrevem poemas com tanta simplicidade quem nem são vistos como tal. Recebem outros nomes quando, por exemplo, escrevem: “tira o teu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor...” Ou quando escrevem: “quando piso em folhas mortas, debaixo de uma mangueira, penso na minha escola...” Ou: “bate outra vez com esperanças o meu coração pois já vai terminando o verão, enfim. Volto ao jardim com a certeza que devo chorar pois bem sei que não queres voltar, para mim.Queixo-me às rosas mas, que bobagem, as rosas não falam simplesmente exalam o perfume que roubam de ti, ai...Devias vir, para ver os meus olhos tristonhos. E, quem sabe, sonhavas os meus sonhos, por fim”. São tão bons, e tão populares, esses poetas, que fazem muita gente pensar que é muito fácil escrever poemas, e os fazem aos borbotões.

Somos ocidentais e consumimos nossa cultura histórica por assimilação há alguns milênios.Um texto de Aristoteles ou de um copista hebreu é bem entendio hoje e até com certa facilidade. Porém quando percorro os corredores do oriente encontro ainda mais desafios desconhecidos e percebo que o tudo que penso que sei não passa de um mal entendido. Digo isso a propósito do haikai, esse poema sem rima (não que alguém precise dela), e que é a forma mais absoluta de concisão onde um máximo foi dito com o mínimo de tudo. Fiquei sabendo disso porque li que “cada haikai capta um momento de experiência, um instante em que o simples subtamente revela a sua natureza interior e nos faz olhar de novo o observado, a natureza humana, a vida.” Literatice crítica a parte, isso mais esconde do que esclarece. Matsuô Bashô, mestre nessa forma poética japonesa, juntou princípios zen-budistas a poesia e fez do haikai uma prática espiritual. De seu nascimento no século XVI, no Japão, até hoje, o haikai sofrei modificações aqui no Brasil. Paulo Leminski, Guilherme de Almeida, e até Millôr Fernandes, entre outros, escreveram, e outros mais ainda escrevem, haikais que já teve e perdeu rima, assim como também título. O haikai tradicional, conforme explica Teruko Oda, tem 3 versos escritos em linguagem simples, sem rima, com 17 silabas poéticas assim dispostas: 5 no primeiro verso, 7 no segundo e, novamente 5 no terceiro. Também deve conter uma referência expressa a natureza com uma palavra que também deve representar a estação do ano.

velho tanque

uma rã salta

barulho d`água

(Bashô)

Parece fácil. É muito difícil, porém. E esse é o risco que corre quem pretende ser um “haijin” de verdade. Que num instante capta e dá vida a natureza, e de tal forma, que se saberá em que estação do ano estava quando escreveu o haikai. O haikai condensa sensações, imagens; prende o instante que passa desapercebido num olhar comum. Portanto, não é propriamente a poesia que importa se não a profunda carícia que nos faz sentir como a vida é preciosa e fugaz. Ser um bom poeta é dificílimo. Ser um “haijin”, então, é...!

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 22/01/2007
Código do texto: T355607
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