DUAS TAÇAS, POR FAVOR!

DUAS TAÇAS, POR FAVOR!

Estou aqui, fazendo companhia a madrugada, batendo um papo com meu silêncio, acompanhada de duas taças de vinho. Não gosto de beber sozinha; então sirvo duas taças, uma para mim e outra para a madrugada, minha companheira fiel enquanto fico apenas em silencio, vez por outra me assustando com o barulho do caminhão que passa em frente a minha casa. Vou bebendo das duas taças, tentando descobrir se o sabor de uma é diferente da outra. Bom, até hoje não cheguei a nenhuma conclusão sobre isso. Mas, pelo menos cuido para que nesses momentos eu tenha pelo menos um vinho especial.

Outro caminhão passa. Que saco! Parece que não deixam a noite dormir seu sono sossegada. Sono esse que nesse momento descansa a minha casa, sono infiel que insiste a me abandonar. Por isso estou aqui. Dou-me até ao luxo de cometer um pequeno delito, ir ate lá fora no quintal e fumar furtivamente um cigarro. Pronto! Confessei!

E ai fiquei pensando nas grandes besteiras que fiz na vida, analisando, matutando meu passado como quem espia ali, pela fresta da janela, com um medo danado de ser pego em pleno flagrante. Me dou conta de uma coisa que me deixou aliviada! Não foram besteiras, foram tentativas. Sabe aquela coisa de tentativa e erro?

O que agente tenta mesmo é acertar, por isso mesmo agente tenta tanto! Você sabe. Passamos a vida tentando acertar! Mas, acertar o quê? Queremos mesmo é ter o direito de errar. Por isso tentamos tantas coisas. Tentamos tudo! Ou, talvez tentamos tudo, não tentando nada, como agora, quando quero apenas tomar o meu vinho, desejando apenas de esvaziar-me de mim mesma, despir-me de minhas culpas ou desconfianças.

Desconfiança de que nem sou eu mesma, que sou apenas uma massa, um corpo celestial, uma porção de água ambulante que anda abrindo caminhos, como o leito do riacho que corre apressadamente para o mar! É. Acho que corro em direção a vida.

Faço mais um brinde a madrugada! Enquanto a noite dorme, estou eu aqui acordando meus fantasmas, refazendo alguns caminhos nas lembranças que construíram minha estrada. Alguns momentos foram tudo ou nada, outros, escolhas desarcertadas, movidas pela paixão, destemidas, arrojadas, e de vez em quando a certeza de que você estava no caminho certo! Não importa para onde, por onde, mas você está no caminho, continua andando. Se foi tudo, ótimo, se foi nada, é por quê não valia a pena!

Outro caminhão! Que coisa chata! Quase me engasgo com o vinho, agora já meio quente.

Mas tudo bem, são três horas da manhã, preciso retornar pra minha realidade, deixar minhas memórias, meu mundo virtual, tomar o ultimo gole e me enfiar na cama.

Até amanha! Ou, quem sabe até um dia desses agente se encontra, e você me conta que também gosta de tomar um bom vinho na companhia silenciosa da madrugada.