SER, TER E APARECER...

Até os anos 80, 90 do século passado (quando falamos século passado parece algo distante, mas não é). Até esta época vivíamos a sociedade do SER, quando erámos apresentado a uma pessoa, erámos apresentado a “pessoa”. Erámos apresentado ao Carlos, ao Luiz, ao Jonas. No máximo erámos apresentado ao Pedro filho do João ou ao José filho da Mundinha. O importante era a pessoa, o SER humano.

Passamos a viver a sociedade do TER. Não nos apresentavam mais o Carlos, o Luiz. Não importavam mais se era filho do João ou da Mundinha. Agora erámos apresentado incialmente ao empresário César, ao comerciante Vinicius, ao advogado Lucas. Apresentavam-nos à profissão, principalmente se fosse de destaque, a pessoa passou a ficar em segundo plano.

Há alguns anos estamos vivendo a sociedade do APARECER. Não basta mais fazer algo, não basta mais viajar, não basta mais passear. Tem que APARECER.

Muita gente critica, e com razão, programas como BBB, a Fazenda e tanto programas denominados “reality show”, mas essas mesmas pessoas são as que usam a internet para se autopromoverem.

Depois de tanta insistência e convites para entrar no facebook, resolvi ver a página de um colega de trabalho e me surpreendi com o mundo de futilidades que encontrei.

Reconheço a utilidade e as inúmeras ferramentas interessantes que estes sites de relacionamentos possuem, a força que tem para mobilizar pessoas, as possibilidades que nos permitem encontrar/reencontrar pessoas com os quais perdemos contato.

Mas me surpreendi com o mundo de futilidades, de bobagens, de pessoas querendo mostrar-se, querendo APARECER.

Nos poucos minutos em que fiquei vendo a página do site, pude observar as chamadas “atualizações”, entre as que li algumas me chamaram atenção. Pessoas postando em suas páginas “almoço no shopping e teatro com o filho é bom demais”, “hoje vou para a balada”, “vamos jantar galera”, “hoje almocei filé com fritas”, “a noite de ontem foi demais, estou cansada”, “final de semana no clube”, “estou no trabalho fazendo um relatório”, “vou andar de patins”, “fui ao salão de beleza” “comprei uma bolsa linda hoje”.

Fiquei surpreso por não ter lido alguém postando “que estava no banheiro”.

Uma coisa é você usar esses sites para compartilhar algumas fotos de uma viagem, colocar muitas já soa a exagero. Outra coisa é você sair para almoçar com a família e nem esperar voltar para casa e ficar postando na internet por meio do celular, do notebook ou do tablete o que está fazendo. O interesse não é aproveitar o momento com a família ou amigos, o interesse é “mostrar” para todos o que está fazendo. Afinal, a alegria desta pessoa está em almoçar com quem se gosta ou querer APARECER?

Ter o carinho, o cuidado, a atenção de ligar para alguém e convidar para um programa, que graça tem? Nenhuma, afinal a graça não está no convite e sim que todos saibam o que a pessoa vai fazer.

Os sites viraram uma forma de exibicionismo, as pessoas não querem apenas compartilhar algumas coisas com os amigos, ou melhor dizendo, seus contatos. As pessoas encontraram nestes sites uma forma de exibição. De querer mostrar que saiu para algum lugar, que foi a um local da moda, que passeou, que comprou algo de valor. Quantas mais atualizações, para estas pessoas é melhor, assim elas mostram para os outros que estão com agenda cheia, que tem dinheiro para comprar algo ou frequentarem certos lugares. A diversão deixou de ser o programa, o passeio em si. A diversão mesmo é APARECER para todos.

Não é à toa que proporcionalmente o Brasil é o país que tem o maior número de usuários destes sites, mas o que esperar de um povo alienado como nós? Um país que leva milhões de pessoas às ruas para brincar o carnaval, para passeatas fúteis, mas que mobiliza apenas um pequeno número de pessoas nas marchas contra corrupção, que assola a Nação.

O que esperar de um povo que comemorou a escolha do Brasil para sediar uma Olímpiadas, uma Copa do Mundo, eventos que poucos assistirão ao vivo, e que saiu a rua para comemorar. Eventos que desviarão bilhões de reais do bolso deste mesmo povo. Povo este que não sai à rua para exigir educação, saúde, segurança dignas e continua morrendo em corredores de hospitais, sendo assassinado e segue analfabeto.

Se Vespasiano dizia “dê ao povo pão e circo”, hoje seria mais apropriado dizer “dê aos brasileiros Facebook”.

FMBARBOSA
Enviado por FMBARBOSA em 20/03/2012
Reeditado em 21/03/2012
Código do texto: T3566282
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.