O lobo comeu a vovó...

A vida tem cada idéia! Tá certo às vezes fica monótono ser incompreendido, cansa... todavia, botar o peito n’água, desprezar a calmaria, pombos, cardeais, pêssegos, ameixas; tomar um ônibus e rumar à capital? Bem feito animal!

Eis um canário com pretensão de águia voando ao encontro da tempestade...

O caminho estranho, veloz e muito estreito para tantas formigas que quase enroscavam as anteninhas. Lá pelas tantas, duas chocaram-se virando as cargas, fatalidade...

No formigueiro-mor a vida é meio sem noção. Embrenham-se pelas galerias, estranhos íntimos, isto é: bichos que convivem, sem conviver... próximos omissos às carências alheias...ah se encontrasse um dicionário etimológico, sobre a origem dos sons que as anteninhas transmitem!

Enquanto caminhava foi acossada por uma miscelânea de coisas que outras formigas queriam lhe empurrar, puxa, vida, deixa estar!

Seus olhos atentos buscando uma livraria, sede de saber a matar; mas, só um bilhete intruso oferecendo empréstimo consignado, ah, vida, vai se catar!

Depois, por uma gota d’água que matasse a sede, carecia subir um plano, mas o carreiro rolante girava ao contrário, desavença; um longo passeio para achar outro, ah, vida, dá licença!

Três florestas de livros foram perscrutadas sem sucesso, nada do tal dicionário. Como a vida gosta de poesias, para não voltar de mãos vazias, saiu um livreto do Mário.

Ler o Quintana na capital é como passarinho cantando no ninho, ao lado de violenta queda d’água, um choque de paz e guerra. Mas o bichinho é de paz, ainda que dispare canhões quando necessário, bravo Mário, ilustre bardo da terra!

Cada tirada, um bálsamo, um santo torpor que amenizava as feridas. Alguns gurus queriam ver o futuro, mas as formigas poetas já sabem, sem nada terem consultado. Na verdade, só elas sabem, pois, burlam Cronos na atemporalidade de seus feitos, não, obrigado!

A vida pediu esmolas também; a muitas formiguinhas falta o farelo básico, ah, vida, que lástima! Como pareces às vezes, cruel, drástica!

Dizem que as formigas se agitam quando está para chover, se é assim, na capital chove demais... A vida estava mal na campanha, mas por momentos ficou pior, cambiando ventos por temporais... Refeitos os planos, decidiu subir a serra; agora sim, hortênsias, calmaria, paz.

Dois ou três dias de alento e voltaram as forças ao apreço de nova platéia. Mas retomado o afazer, eis a necessidade de rever êmulos, antiga alcatéia.

Ah vida, que inglório, estranho, fugir da sombra, cortar a tranqüilidade de sobressalto! Os lobos da campanha vicejam também na serra, capital, e no planalto...

A fauna é como é; nossas janelas retratam esse monstruoso quadro no espelho... salve-se quem puder, predadores desconhecem dó; se o lobo comeu a vovó, ao menos vou blindar Chapeuzinho Vermelho...